sábado, 6 de novembro de 2010

Países desenvolvidos preparam relatório sobre os impactos da internet nos sistemas clássicos de comunicação e informação

Entrevista Exclusiva com o Chefe da Divisão de Informação, Comunicação e Política do Consumidor da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico de 34 Países Desenvolvidos (OCDE), Dimitri Ypsilanti.

O Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias receberá Dimitri Ypsilanti. O economista, de nacionalidade greco-canadense, é chefe da Divisão de Informação, Comunicação e Política do Consumidor da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico de 34 países desenvolvidos (OCDE).

Em entrevista exclusiva para Secom, Ypsilanti adiantou as linhas gerais de sua palestra, que está programada para às 14 horas, do dia 9 de novembro. O economista vai falar sobre regulamentação dos sistemas de comunicação e informação nos países da OCDE; os desafios da convergência de novas tecnologias de comunicação com os sistemas clássicos como a televisão, o rádio e o jornal impresso; além dos impactos econômicos e de consumo dessas convergências.

Entusiasta de uma ampla liberalização na oferta de serviços de telecomunicação entre os membros da organização, o executivo explica ainda como está acontecendo, nos países desenvolvidos, a instalação da infraestrutura para uma nova geração de banda larga.

Secom: Sobre que assuntos vai tratar a apresentação do senhor no seminário internacional?

Dimitri Ypsilanti - Vou falar de regulamentação das comunicações nos países da OCDE, mas, sobretudo, sobre a próxima geração da internet onde nossos estados membros estão com os mercados abertos e em plena concorrência no domínio das telecomunicações. Nós estamos mudando de tecnologia, instalando cabos de fibra óptica que vão até as residências, para aumentar a capacidade da banda larga.

Secom: Todos os 34 países da OCDE vão realizar as instalações do novo sistema?

DY - Não, isso é só para o ano que vem. Alguns países já começaram e outros ainda vão começar, dentro de um ano, mas ainda não existe um país onde os últimos quilômetros de cabo, em fibra óptica, já tenham sido instalados. Alguns países ainda vão dividir os serviços de instalação e de utilização das redes já instaladas com empresas privadas, como Telefônica e France Telecom, por exemplo.

Secom: Como essas decisões acontecem nos países da OCDE, há uma determinação geral, orientações a serem seguidas?

DY - Não, nós somos uma organização de reflexão, de trocas de informações, de harmonização, de estatísticas. Também a gente tenta harmonizar as políticas, mas não temos esse poder. Então fazemos discussões e tentamos achar um consenso geral.

Secom: Como a OCDE vê a regulamentação dos meios de comunicação de seus membros?

DY - Nós discutimos propostas, trocamos opiniões sobre o que se passa em cada país para chegar a um consenso, para achar a melhor maneira de vencer os obstáculos econômicos. O OCDE foi a primeira organização a adotar uma linha diretora sobre a proteção à vida privada, sobre a segurança de redes. Mas a linha diretora não é imposta. Os países membros podem ou não adotar nossas recomendações, isso vai depender de cada um deles.

Secom: A OCDE possui propostas em relação ao audiovisual?

DY - A gente trabalhou sobre a convergência entre telecomunicação, radiodifusão e audiovisual, mas não tocamos no assunto de regulamentação de conteúdo. Nós vamos começar a trabalhar sobre o conteúdo porque agora existe forte concorrência entre os novos sistemas de comunicação, como a internet, e os sistemas clássicos, como a televisão, de rádio e jornais impressos. Queremos ver o impacto da internet sobre o sistema audiovisual e o de radiodifusão. Nós já fizemos este ano um relatório sobre o impacto da Internet sobre a imprensa escrita que pode ser visto sobre nosso site internet.

Secom: E qual foi o resultado dessa análise?

DY - Muito interessante porque é a própria imprensa escrita que utiliza muito a internet. Nós vemos que o mercado cresce, mas ao mesmo tempo nós temos problemas com a inserção das publicidades. Existe concorrência até mesmo entre uma mesma empresa, que conta com versão impressa e versão online. Existem jornais que pararam suas versões impressas completamente e agora estão somente na Internet. E isso ainda vai se acelerar, porque estão vindo por aí novas tecnologias com plataformas menores e mais eficazes para acompanhar os fluxos de informação.

Secom: Existe uma determinação comum por parte da OCDE para a publicação de conteúdos na Internet?

DY - Sim, nós temos alguns limites colocados por leis públicas como, por exemplo, para a exposição de crianças, principalmente no que se refere a conteúdo pornográfico.

Proteger as crianças que utilizam a Internet é mais difícil, porque a gente tem que decidir de quem é a responsabilidade por isso, se é dos pais, se é do governo, se é responsabilidade das empresas que fornecem o acesso. Ainda tem outros problemas, para a empresa é difícil saber realmente quem é que está atrás do computador. Agora sobre a pornografia infantil não há discussão, é um crime e não pode ser permitido de nenhuma forma.

Regulamentação audiovisual: os caminhos que a Espanha percorreu

Entrevista Exclusiva com o Conselheiro da Comissão de Mercado das Telecomunicações (CMT), Ángel García Castillejo

O Conselheiro da Comissão de Mercado das Telecomunicações (CMT), Ángel García Castillejo, apresentará no Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, a experiência espanhola na construção de um novo marco regulatório do setor audiovisual, a Ley General de la Comunicación Audiovisual. O processo, que incluiu diversas rodadas com todos os setores envolvidos, durou quase seis anos.

A CMT, criada em 1996, é o órgão regulador independente dos mercados nacionais de comunicações eletrônicas e de serviços audiovisuais.

Angel García colaborou na redação de diversas iniciativas legislativas do setor das telecomunicações, jornalismo e audiovisual. Entre elas, se destaca a Lei de Liberalização das Telecomunicações, Lei de Telecomunicações por Cabo e Lei de Regulação da Televisão Local por ondas terrestres. O palestrante publicou várias obras sobre o direito da informação, organismos reguladores do setor audiovisual, televisão educativa, entre outros.

Abaixo, em entrevista para a Secom, Ángel García adianta o que vem falar aos participantes do encontro.

Secom: O que levou a Espanha a criar um novo marco regulatório para o audiovisual?

AGC: Na Espanha havia uma situação de grande dispersão normativa, o que proporcionava uma grande insegurança legislativa no setor do audiovisual. Desde a aprovação da Constituição Democrática Espanhola, em 1978, foi aprovada posteriormente, em 1980, uma única lei, que ficou vigente até maio de 2010, o Estatuto de la Rádio y de la Televisión.

Com o tempo, foram aprovadas várias leis para regular o setor audiovisual de acordo com as necessidades que iam aparecendo, como a titularidade - pública ou privada; área de cobertura -todo o Estado Espanhol ou nas comunidades autônomas, no âmbito local ou municipal; em função dos meios, das infraestruturas - cabo, o satélite, e as ondas hertzianas; ou pela tecnologia - analógica ou digital.

Isto terminou provocando uma tal situação de dispersão e insegurança que todo o setor e todos os partidos políticos foram unânimes em decidir que era necessário e urgente aprovar uma lei geral que fosse o marco e a legislação básica para a regulamentação do audiovisual na Espanha.

Secom: O que ocorreu então foi a substituição de uma lei antiga, repleta de “penduricalhos”, por uma lei global, que integra o setor audiovisual com as transformações do mercado e as demandas sociais?

AGC: Foi assim. E não foi só isso. Em 2004, quando o Partido Socialista (PSOE) ganhou as eleições e assumiu novamente o governo, deparou-se com uma situação que ia além da dispersão jurídica. Havia outros dois graves problemas.

O primeiro era a situação financeira e a falta de credibilidade da televisão pública, que passava por uma forte crise. Isso provocou a abertura de um expediente sancionador pelas autoridades da União Européia. Na época, havia diferenças a respeito do sistema de financiamento da rádio e da televisão públicas espanhola.

O segundo tema, de grande gravidade para o setor televisivo na Espanha, foi a situação de paralisia em que se encontrava o processo de transição da TV analógica para a TV digital. O apagão analógico estava em risco. No governo anterior, o final da transmissão em sinal analógico foi pensado como força motriz para alavancar a plataforma do sistema de pago multicanal digital, que acabou quebrando em 2002. A Televisão Digital Terrestre (TDT) espanhola estava paralisada e sem conteúdos. O governo do presidente José Luis Zapatero aprovou, em dezembro de 2004, um plano para dar impulso ao setor audiovisual. Nesse plano, estavam previstas uma lei de audiovisual - que criaria uma autoridade audiovisual independente -, a reforma da radio e televisão públicas, e o impulso da TDT que, como vocês sabem, desde março passado culminou o processo de transição, do analógico para o digital, com êxito.

Secom: Como foi a negociação com os atores envolvidos? Houve conversa com os setores antes do acordo de dezembro de 2004?

AGC: O processo de negociação se deu com todos os atores implicados no setor audiovisual, desde empresários de televisão e rádio, passando pelos produtores de conteúdo, produtores audiovisuais para cinema e televisão, indústria de eletrônicos de consumo e também o setor da distribuição comercial e usuários.

Foi estabelecido um processo de diálogo de abril a dezembro de 2004. Uma vez alcançado este acordo global, foram implementadas uma série de medidas de caráter legislativo e regulamentar. Elas foram tomando corpo até dar origem à atual Lei Geral do Audiovisual. Durante todo esse processo, a relação e o diálogo com os setores se mantiveram. A vontade do governo em todo momento foi implicar substancialmente todos os setores envolvidos, tanto privados como públicos. E graças a essa implicação e à identidade deles reconhecida no processo, estes setores se converteram em aliados. A prova disso, é que todos os operadores, tanto públicos como privados, colocaram conteúdos diferenciados e originais - em relação aos conteúdos produzidos para transmissão em analógico - oferecendo uma ampla quantidade de conteúdo para a TDT, com o processo culminando com êxito e bem recebido pelos cidadãos espanhóis.

Secom: Quais são principais eixos deste novo marco regulatório?

AGC: Os eixos principais são dotar a Espanha de um marco jurídico homogêneo para o conjunto do setor audiovisual; incluir a normativa Comunitária da União Européia para conteúdo dentro da lei geral; introduzir um pilar básico, que é a “liberalização” do setor televisivo espanhol. Com isso, o regime privado deixa de ter concessão administrativa e passa a ter uma licença para operar. Outro eixo importante é regular de forma específica a prestação do serviço público de rádio e televisão por parte das empresas públicas – seja a Rádio e Televisão Espanhola para a Espanha, sejam as emissoras autonômicas e municipais.

Secom: Em que consiste a normativa da U.E. e como ela é incorporada pelos estados membros?

AGC: A normativa traz denominadores comuns que cada Estado da União deve incorporar aos seus ordenamentos jurídicos internos. Esta normativa, que está vigente, regula tanto a publicidade, o volume de comunicação comercial na tv, como a proteção da infância e da juventude e o impulso e apoio à produção audiovisual nacional e européia.

Secom: Como o mercado espanhol recebeu a integração da Normativa Européia à Lei do Audiovisual?

AGC: Esta diretiva européia deu um salto qualitativo, porque antes regulava o conteúdo audiovisual restrito à televisão. Antes, a normativa era chamada de Televisão Sem Fronteiras, e agora se chama Conteúdos Audiovisuais sem Fronteiras. Não regula só TV ou produtos lineais, mas também os que são veiculados pelos novos meios, como internet.

Os operadores privados, que participaram no processo de elaboração da diretiva, tanto no âmbito da U.E. como na incorporação da mesma à legislação espanhola, queriam um marco jurídico claro, para conhecer as regras do jogo. Além disso, era importante para eles que fosse delimitado claramente o papel da TV pública e sua participação na publicidade.

Secom: É correto afirmar que hoje, depois desse longo processo de construção junto aos setores envolvidos, a Espanha possui um dos marcos regulatórios mais atualizados?

AGC: Provavelmente um dos mais atualizados do mundo, e como marco jurídico de audiovisual o mais atual da União Européia.

Convergência de televisão com internet impõe desafio para o futuro do audiovisual, diz diretor de agência reguladora francesa

Entrevista Exclusiva com o Diretor Adjunto do Conselho Superior do Audiovisual (CSA) Francês, Emmanuel Gabla

Nomeado em 2009 como diretor adjunto do Conselho Superior do Audiovisual (CSA) francês, Emmanuel Gabla vem ao Seminário internacional das Comunicações e Convergência de Mídias Eletrônicas falar sobre a experiência da regulação do sistema audiovisual na França.

Com sua palestra programada para o dia 10 de novembro, às 9h30, Gabla pretende discutir no evento o que considera os maiores problemas enfrentado pela CSA atualmente: o futuro do audiovisual em convergência com a Internet. Como o sistema vai sobreviver com o aumento da consumação da televisão sobre internet? Ainda, como enquadrar a internet como co-financiadora do cinema francês?

Nesse sentido, a CSA se une às outras agências reguladoras de estados membros da União Européia e do Fórum dos Países Desenvolvidos (OCDE) para achar soluções para o oferecimento de serviços, programas de televisão e de rádio num sistema sem fronteira e ainda sem muita regulação. A seguir entrevista exclusiva que Gabla concedeu à Secom.

Secom – Qual é a preocupação atual da CSA sobre os novos sistemas de comunicação e de informação na França?

Emmanuel Gabla - Nos estamos refletindo de que maneira os novos serviços, a televisão paga e os vídeos pela internet, vão contribuir para financiar o cinema francês. Atualmente são apenas os canais de televisão que financiam a criação na França. É importante que esse novo serviço não linear financie também a criação para que possamos preservar a diversidade cultural em nosso país.

Secom - Quais são as principais Leis que regulamentam os serviços de comunicação e informação na França?

EG - Tem uma Lei para as empresas de telecomunicação, sobre a infraestrutra, que se chama o Código dos Postos de Comunicação Eletrônica. Existe também uma Lei que regulamenta o audiovisual, que se chama a Lei de Liberdade da Comunicação, modificada em 1996. E ainda uma Lei sobre a Internet, que se chama a Lei pela Confiança na Economia Numérica, que notadamente define tudo o que a gente pode fazer na Internet, sem contar com o audiovisual. Nós temos essas três Leis fundadoras. A CSA apenas intervém no domínio de aplicação da segunda Lei, sobre audiovisual. Nós não regulamos nem Internet e nem as telecomunicações.

Secom - Quais então são os principais eixos da Lei sobre o Audiovisual?

EG - Os grandes princípios são: primeiro, zelar sobre o pluralismo das expressões. Nós acompanhamos cada um das emissoras de televisão para ver se existe um equilíbrio de posições entre diferentes partidos políticos. Nós zelamos também pela proteção da infância, com conteúdos desaconselhados segundo a faixa etária do telespectador. Existem proibições de horários, por exemplo, para programas dirigidos a menores de 16 anos, não podendo ser veiculado após as 22h30. Então nós temos um certo número de normas desse tipo. A gente controla também a publicidade na TV e no rádio. É a CSA que fornece as concessões de utilização e define quais são as emissoras de rádio e TV que podem ou não funcionar.

Secom – A CSA também é responsável pelas sanções, caso uma emissora transgrida as Leis estabelecidas?

EG - Sim, somos nós. Existem diferentes tipos de sanções. Elas podem ser financeiras, mas faz muito tempo que a gente não aplica grandes sanções financeiras. Na última vez a gente aplicou uma pequena multa de €615 mil (cerca de R$1,5 milhão) para uma emissora porque ela não respeitou uma determinada cota de difusão. Na França é obrigatória a difusão de 40% de filmes de origem francesa e 60% de origem européia. E quando essas cotas não são respeitadas, nós podemos aplicar sanções. A sanção pode ser uma diminuição da cota de publicidade por certo tempo, pode ser a diminuição do tempo de duração de uma licença e pode chegar até a suspensão da licença, mas isso nós nunca fizemos.

Secom – Como se faz o julgamento para a aplicação de sanções?

EG – Nós realizamos uma plenária, o colégio se reúne, nós fazemos uma auditoria no canal e, em seguida, decidimos sobre as sanções. A emissora pode ainda recorrer ao Conselho de Estado.

Secom – Por quais processos passou a Lei do Audiovisual?

EG – A lei fundadora data do ano de 1996, mas ela foi modificada várias vezes. Ela foi modificada em 1999, 2000, 2005, 2007 e 2009. Não foram poucas as modificações. Em 2000, foi para introduzir a televisão numérica (digital), em 2005 nós introduzimos a televisão móvel e a rádio numérica (digital). Em 2007, nós decidimos como deveria ser o desaparecimento da televisão analógica e, em 2009, a gente mudou o modo de nomeação do presidente do serviço público (CSA) e, em seguida, nós incorporamos as regulamentações do audiovisual da União Europeia.

Secom - Em relação ao que acontece hoje no mundo, como o senhor classifica os sistema de regulação francês?

EG – Em relação às obrigações que a gente impõe às nossas emissoras para financiar o cinema, eu acredito que nós temos o sistema mais sofisticado e com o maior número de obrigações, mas foi isso que nos permitiu ter um cinema francês ainda presente e com qualidade. A questão é: como todo esse sistema vai sobreviver com a irrupção da consumação da televisão sobre a Internet? As fronteiras vão ser ultrapassadas, a gente vai poder propor nossos serviços a partir do nosso próprio país na Internet e aí vai ser complicado. Vai ser necessário refletir sobre essa questão em nível nacional, europeu e certamente internacional.

Secom – Como funciona a CSA?

EG – Existe o colégio com nove membros nomeados e com mandato de 6 anos cada um. Três nomeados pelo presidente da república, três pelo presidente do senado e três pelo presidente da Assembleia Nacional. Abaixo existem outros 300 profissionais que realizam o controle, análise e outros serviços que eu já expliquei antes: fornecimento de concessões, verificação das cotas de publicidade, da pluralidade política e também a planificação técnica e de freqüência para o audiovisual.

Liberdade na internet não pode ferir outros direitos

Entrevista exclusiva com o Presidente da entidade reguladora para a comunicação social de portugal, José Alberto de Azeredo Lopes

Para regular a Internet, que é tida no imaginário como um território de liberdade absoluta para a expressão, não se pode esquecer as regras que permitem o convívio social nas ruas ou nos meios comunicação mais antigos. “A liberdade de expressão num país democrático é garantida, independentemente do suporte. Só que não existe nenhuma liberdade que seja absoluta, ou seja, que não tenha, como contraponto, limites que permitam a convivência em sociedade”, avalia o presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social de Portugal (ERC) e professor de Direito Internacional, José Alberto de Azeredo Lopes.

No entanto, Azeredo Lopes não acredita que a fiscalização caiba a agências como a que ele preside, a ERC. Para ele, os tribunais é que devem fazer a defesa da cidadania de pessoas agredidas por opiniões injuriosas, evitar expor crianças à pornografia e cenas violentas e também zelar pela privacidade.

Até 2005, Azeredo Lopes acompanhou a execução do Protocolo RTP-SIC-TVI, de 2003, que estabeleceu regras para as emissoras de TV portuguesas. Ele também foi um dos negociadores do documento, representando o ministro da Presidência do Conselho de Ministros do XV Governo Constitucional, Nuno Morais Sarmento. Antes, em 2002, o professor foi membro do Grupo de Trabalho sobre Serviço Público de Televisão.

No dia 9, às 15h10, o professor Azeredo falará sobre a experiência portuguesa de regulação. Um dos pontos mais importantes, segundo ele, é fato de os sítios de informação na internet terem de seguir regras para impedir que o conteúdo jornalístico se misture com entretenimento. Para antecipar os temas a serem tratados no Seminário Internacional das Comunicações Eletrônica e Convergência de Mídias, o jurista conversou com a reportagem.

Secom: Empresas de internet podem prestar serviços e oferecer informação e entretenimento. É necessária alguma regulação especial para a publicação desses formatos?

José Alberto de Azeredo Lopes: Eu penso que deva existir, sempre que for possível, qualquer que seja a plataforma, uma identificação clara daquilo que é conteúdo de jornalismo. Isto é, parece que é um mal sinal se, por ventura, edições eletrônicas de jornais atuem de forma diferente daquilo que acontece no suporte de papel: ou seja, se num jornal na sua versão eletrônica tem um comportamento muito diferente, menos rigososo, do ponto de vista da prestação de serviços ou da vocação jornalística. Acho que é um caminho que pode ser preocupante.

Secom: As regras do mundo real para conter crimes de opinião, ou abuso da pornografia e violência para público infantil, enfim, essas regras podem ser transpostas para a internet?

JAAL: Não creio que seja possível transpor essas regras da mesma forma que verificamos nos suportes mais tradicionais. Em primeiro lugar, por uma razão prática: a dissimulação da identidade de alguém que coloca na internet conteúdos de certa natureza é relativamente fácil; ou a ocultação desta pessoa num espaço fora da jurisdição do Estado. Evidentemente, a proteção dos menores (contra a violência e pornografia) é um valor social que não depende do suporte. Mas não creio que seja simples aplicar na internet conceitos jurídico-criminais, que existem em qualquer tipo de sociedade, como o conceito de difamação e de injúria. É muito difícil a um órgão regulador desempenhar esse papel neste momento. E, portanto, eu considero que essa é uma matéria que cabe, por vocação, aos tribunais e não propriamente a um regulador, que não tem competência de natureza judicial nem em termos de jurisdição criminal.

Secom: A internet surgiu com o ideário de que é um espaço livre para a opinião e negócios. Neste contexto, é possível estabelecer alguma regulação?

JAAL: Esse é um argumento em muitas vezes equivocado. Eu tenho sérias dúvidas quanto a essa ideologia associada à internet. A liberdade de expressão num país democrático, e num estado democrático, é garantida independentemente do suporte. Só que, em qualquer estado de Direito, não há nenhuma liberdade que seja absoluta, ou seja, que não tenha, como contraponto, limites que permitam a convivência em sociedade. Ao insultar, difamar, eu não considero que se pode falar em liberdade de expressão. Infelizmente, eu acho que aqui há uma confusão nítida deste ponto de vista. A Internet é um espaço maravilhoso de debate, na medida em que qualquer pessoa, por meio de um blog, pode ter um espaço público. Essa é a revolução que a internet propicia. Não considero, porém, que, se tratando de internet, exista uma espécie de carta branca.

Regulação do espectro brasileira está em sintonia com a Europa

Entrevista exclusiva com o Presidente da Autoridade Nacional de Comunicações, José Amado Da Silva

As regulações brasileira e europeia para redistribuir o espaço no espectro de telecomunicações, aberto pela chegada das tecnologias digitais, estão sendo feitas em sintonia. Todos os anos, por exemplo, os brasileiros da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e os portugueses da Anacom (Autoridade Nacional de Comunicações) cumprem uma agenda anual de dois dias para trocar experiências pessoalmente. “Como se fosse pouco, estamos empenhados também em harmonizar a regulação dos países de língua portuguesa”, diz o economista e engenheiro químico, José Amado da Silva, presidente da Anacom.

Com uma carreira dedicada à regulação da indústria de seu país, o professor da Universidade Autónoma de Lisboa falará sobre o desafio de redistribuir canais de forma democrática, evitando a formação de monopólios durante o Seminário Internacional das Comunicações Eletrônica e Convergência de Mídias, dia dia 9, às 15h10, em Brasília. Segundo ele, há um consenso de que os espaços ocupados por empresas de radiodifusão, que não é mais necessário para prestar serviços de rádio e TV na era digital, pertencem ao Estado e não há direitos de propriedade por conta das antigas concessões.

Secom: A experiência portuguesa de regulação do setor de telecomunicações pode inspirar outros países, como o Brasil?

José Amado da Silva: Nós temos uma ligação muito estreita com nossos colegas brasileiros da Anatel. Nos reunimos todos os anos, ou em Portugal ou no Brasil, durante dois dias trocando experiência em várias áreas. Nós temos um diagnóstico muito extenso do que é típico de um país de outro. Portugal tem regras que são regras harmonizáveis no âmbito da União Européia. A experiência da União Européia pode ser muito útil ao Brasil, salvaguardadas as diferenças. Há problemas do Brasil, que um continente, que não há em Portugal, que é pequenino. E, portanto, há um enfoque brasileiro muito próximo da abordagem européia, que procuramos aprofundar. Como se fosse pouco, estamos empenhados também em harmonizar a regulação dos países de língua portuguesa.

Secom: Como as novas tecnologias transformam o uso do espectro de telecomunicações na era digital?

JAS – Como se sabe, o espectro é fundamental na telefonia móvel. Há um desenvolvimento enorme. As pessoas conseguem acessar fazer voz, fazer SMS, que é muito usado pelos jovens, e agora sobretudo a banda larga móvel está sendo muito usada na Europa, em Portugal. A passagem do analógico para o digital abre espaço para novas tecnologias. Então, o espectro (de radiocomunicação) tem um valor inestimável e começa a ser cobiçado por muita gente. É um bem público, que vai ser objeto de grande convulsão nos próximos anos.

Secom: Neste contexto há um conflito entre as empresas de radiodifusão, que estão com esse direito de uso do espaço no dial hoje, e as de telefonia?

JAS: Evidente. As empresas do broadcasting, seja de rádio ou televisão, que transmitiam em analógico e usavam um espectro grande, ao passarem para digital, não precisam tanto. Elas estão a querer manter o espectro, que, na verdade é um bem de todos. A propriedade do espectro não é de ninguém, a propriedade é pública.

Secom: Além das empresas, entidades representativas, filantrópicas e organizações não governamentais também podem de entrar no espectro?

JAS: Vai haver muito mais espaço no espectro, portanto, mais acesso.

Secom: Há conflito entre radiodifusão e telefônicas?

Neste campo há sempre algum potencial de conflito, mas não há razão para que não seja ultrapassado.

Secom: A convergência de mídia está resultando em qual perfil de empresas?

JAS – Eu vejo a formação de grandes grupos nessa área hoje. Toda a regulação de comunicação eletrônica tem sido feita neste sentido (de favorecer a concorrência).

Secom: E com relação aos pequenos e à produção independente?

JAS – Quais são as regras para a distribuição do espectro. Como se faz a redistribuição com neutralidade? Quem paga mais fica com ele ou (haverá) outras regras que devem limitar, quer do ponto de vista da concorrência, quer do ponto de vista do exercício da democracia.

Exclusiva com o Diretor Nacional de Supervisão da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina, Gustavo Bulla

O argentino Gustavo Bulla, diretor nacional de supervisão da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, trará a Brasília o relato do processo de elaboração e implementação da nova Lei de serviços de comunicação audiovisual naquele país.

O diretor do órgão regulador argentino é também professor universitário e realiza atualmente um trabalho de pesquisa sobre a concentração de propriedade e da participação social nas políticas de comunicação. Em conversa com a Secom, Gustavo Bulla falou sobre o impacto da nova Lei na sociedade e nos grandes grupos de comunicação, e das mudanças que ainda estão por acontecer.

Secom: De que forma a nova Lei do audiovisual garante a pluralidade de meios e conteúdos audiovisuais na Argentina? Quais foram as principais mudanças neste aspecto em relação à Lei anterior?

Gustavo Bulla: A Ley de Servicios de Comunicaión Audiovisual ataca um problema grave que se produziu na década de 90 na Argentina, ocasionada pelas políticas neoliberais. Isso gerou um mapa hiperconcentrado de propriedade dos meios de comunicação em geral e em particular dos meios audiovisuais.
Esta Lei ataca esta concentração e a escassez de vozes múltiples por duas vias: a restrição da multiplicidade de licenças, reduzindo o número de licenças que um grupo empresarial pode ter; e a ampliação do número de atores que podem obter estas licenças. A legislação anterior, que na verdade era um decreto da época do regime militar de 1980, excluía a participação de organizações sociais sem fins lucrativos.
A Lei anterior também permitia ao estado, às províncias e às universidades públicas, obter licenças para operar. Nos anos 80, as novas licenças foram congeladas, e a partir daí, só eram obtidas em regiões onde não houvesse meios de comunicação audiovisual privados. Quer dizer, de maneira bastante coerente com o paradigma neoliberal se privilegiava a mercantilização da comunicação e da informação.
O que a nova Lei faz é restringir a concentração de empresas e licenças, e permitir ao setor público a obtenção de licença para meios de comunicação audiovisuais. A Lei também incorpora neste novo cenário as organizações sociais livres, como sindicatos, associações, e outras organizações, que não perseguem um benefício lucrativo e individual.

Secom: Como o governo chegou ao modelo legislativo enviado ao Congresso em 2009?

A Ley de Servicios de Comunicaión Audiovisual é inédita na legislação Argentina. É o primeiro instrumento legal feito de baixo para cima. O esqueleto da nova Lei foi elaborado em 2004, e partiu de um manifesto que continha 21 pontos para uma radiodifusão democrática. Este documento foi elaborado por uma entidade que representou 300 organizações sociais argentinas, incluindo movimentos de direitos humanos (como o das mães e avós da Praça de Maio), setor acadêmico, todos os sindicatos de trabalhadores dos meios de comunicação, sindicatos de trabalhadores em geral e outros. Em 2008, foi elaborado um pré-projeto que foi discutido em 24 Fóruns de Participação, realizados em todo o país, e que reuniu mais de 10 mil participantes. Destes encontros foram colhidas 1.300 propostas de modificação do pré-projeto, que resultou em duzentas alterações. Uma vez obtida a redação final, a presidente Cristina Kirchner enviou o projeto ao Congreso de la Nación – à câmara dos deputados e senado. Depois de discussão em comissões, a Lei foi aprovada nas duas estâncias. A Lei, que foi imediatamente promulgada, teve uma série de obstáculos, vindos principalmente da oposição, de parte do setor jurídico e dos grandes grupos de comunicação.

Secom: De que forma a convergência dos meios de comunicação foi contemplada na nova Lei?

A Lei tinha um desafio. Além de democratizar os meios de comunicação, deveria também incorporar as novas tecnologias da comunicação e informação. À época, foi cogitada a possibilidade de as companhias telefônicas pudessem distribuir serviços audiovisuais – com um marco bastante restrito. Mas alguns setores argumentaram que isso alteraria o espírito da nova Lei, que era acabar com a concentração de poder dos grandes grupos. Então essa discussão ficou para o futuro.
A Lei regulou o conteúdo audiovisual por todas as plataformas que se pode distribuir, com a condição que se fossem estilo broadcast, com programação pré-fixada e com consumo em tempo real. No caso de acesso via internet, como o video on demand, ou rádio tipo podcast, estariam isentos dessa regulação.
A legislação abre um guarda-chuva bastante amplo para a regulação de novas plataformas, como a rádio e tv digitais e o que possa aparecer daqui por diante.

Secom: Passado um ano, desde que a Lei foi promulgada, quais são as mudanças que podem ser observadas?

Houve grandes obstáculos de tipo judicial. A Lei esteve suspensa em sua aplicação por 8 meses, e só foi regulamentada recentemente. O grupo mais importante, o Clarín conseguiu na justiça uma medida cautelar para não cumprir o artigo 161 da Lei, que trata do enquadramento das empresas. Os grandes grupos devem se desprender de parte dos meios de comunicação que possuem. Justamente uma Lei aprovada por maioria no congresso.

Existe um grande consenso social a favor da Lei, e uma grande oposição do setor empresarial e do poder jurídico, que conseguiram obstaculizá-la.
Acreditamos que dentro de pouco começarão a aparecer os novos atores, justamente aqueles que estão impedidos, pela Lei anterior, de obter licenças.

Estados membros da União Européia começam a incorporar nova regulamentação com regras de convergência entre TV e Internet

Entrevista exclusiva com o Diretor Adjunto de Políticas de Audiovisual e Mídias da Comissão Europeia, Harald Trettenbein

Harald Trettenbein é diretor adjunto de Políticas de Audiovisual e Mídias da Comissão Europeia (CE), órgão administrativo da União Europeia (EU) e fará a primeira palestra do Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídia, no dia 9 de novembro.

Em entrevista exclusiva concedida à Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), Trettenbein falou sobre a experiência de regulamentação do sistema audiovisual na EU, que começou nos anos 80 do século passado.

Jurista de nacionalidade austríaca, Trettenbein explicou porque a nova diretiva europeia passou a englobar os sistemas lineares e não lineares. Esclareceu também como está acontecendo o processo de incorporação das novas regras pelos Estados-membros e como acontece a divisão de competências entre a EU e os 27 países da comunidade, no que se refere ao controle da execução das leis.

Secom – Quais os principais assuntos referentes à regulamentação dos sistemas de comunicação e informação que o senhor vai apresentar no seminário?

Harald Trettenbein – Eu vou apresentar o enquadramento regulamentar para o serviço de mídia audiovisual da UE, que tem uma diretiva realizada há dois anos. Os Estados-membros estão, nesse momento, incorporando as regras dessa diretiva, que regulamenta os serviços dos sistemas lineares e não lineares. Essa é a novidade. Nós temos um quadro regulamentar que é neutro em relação à tecnologia que inclui o vídeo pay-per-view, na Internet, e a televisão. Dentro dessa regulamentação existem regras para a proteção das crianças, para a diversidade cultural, impõe limites para a publicidade e há ainda limites quantitativos e qualitativos para a televisão. Tudo isso dever ser transferido para os Estados-membros e é a Comissão Européia que zela para que as regras sejam respeitadas.

Secom – O senhor falou sobre os sistemas lineares e não lineares e isso remete à convergência entre tecnologias – novas e clássicas -, como é que a EU trabalha com a convergência de mídias eletrônicas atualmente?

HT – Para nós a idéia principal é a neutralidade em relação à tecnologia. Nós observamos a maneira como a mídia é utilizada e não o meio de transporte que a mídia utiliza. É por isso que a gente faz a diferença entre linear e não linear. No não linear a programação depende de um ato de escolha do público, enquanto no linear, a programação chega às nossas salas sem que precisemos escolher. Essa é a grande diferença.

Secom – Como acontece a regulamentação para o conteúdo que podemos escolher?

HT – As regras são mais flexíveis para os sistemas não lineares (para a programação que podemos escolher).

Secom – Como funciona a divisão de competências na produção e controle da execução das leis entre a EU e seus 27 Estados-membros?

HT – A União Européia impõe um mínimo de regras aos Estados-membros e estes, por sua vez, impõem regras mais estritas a todos aqueles que estão sob sua jurisdição. No entanto, os países da comunidade não podem proibir a transmissão ou a recepção de programas provenientes de outros Estados-membros.

Secom – E quais são os limites mínimos colocados pela EU aos Estados-membros?

HT – A regra mais importante é que coloca um limite de 12 minutos – ou 20% – de publicidade por cada hora de transmissão. Existem regras qualitativas para todos os serviços lineares e não lineares. Por exemplo, as publicidades provenientes da indústria do tabaco são proibidas, existem regras para a indústria do álcool, que é muito estrita, há ainda regras para a publicidade que é dirigida aos menores e as que garantem a diversidade cultural. A gente prevê que, pelo menos, 50% de todo o conteúdo transmitido deva ser de origem européia.

Secom – Qual foi o cenário europeu que exigiu a necessidade de uma regulamentação de conteúdo das mídias eletrônicas?

HT – É sempre um pouco difícil 27 Estados-membros, com suas indústrias, se colocarem em acordo sobre algo, mas isso foi observado sob uma perspectiva de futuro, tomando-se em conta o desenvolvimento da transmissão por satélites. Nós chegamos à conclusão de que o fenômeno ultrapassava as fronteiras dos países da comunidade. Um só programa, de uma emissora, de qualquer país, podia ser transmitido por toda a Europa e isso impôs a necessidade de uma regulamentação.

Secom – Como aconteceu todo esse processo?

HT – Essa discussão começou nos anos 80 do século passado e a partir daí começamos a trabalhar para um enquadramento regulamentar. Há uns oito anos iniciamos a discussão sobre o futuro da televisão e a importância cruzada entre a Internet e os outros sistemas de despacho de conteúdo audiovisual, com os vídeos pagos (pay-per-view) e tudo mais. Nós compreendemos a importância de propiciar uma igualdade de oportunidades entre os diferentes serviços e que todos eles respeitassem as leis. Não poderíamos unicamente regulamentar a televisão, tivemos que criar regras para o sistema não linear. Por isso que a Comissão Européia propôs reestruturar a diretiva, que antes estabelecia a Televisão sem Fronteiras e, hoje, tem o objetivo de regulamentar a mídia audiovisual, cobrindo igualmente os vídeos pay-per-view.

Direito à informação precisa ter regulamentação específica para ser real, alerta Toby Mendel

Entrevista exclusiva com o Consultor internacional da Unesco, Toby Mendel

A informação é um direito do cidadão. Mas ele realmente existe? Os governos têm procurado torná-lo efetivo? Há mais de 10 anos, o bacharel em Direito, Matemática e consultor internacional da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Toby Mendel, se dedica a pesquisar estas questões. Em entrevista exclusiva à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), ele afirmou que, para tornar esse direito uma realidade, os países – inclusive o Brasil – precisam ter uma legislação específica sobre o direito à informação.

Toby Mendel é também diretor executivo do Centro de Direito e Democracia, organização não governamental internacional de direitos humanos com foco no fornecimento de conhecimento legal sobre direitos fundamentais para a democracia, incluindo o direito à informação, à liberdade de expressão, de participação e os direitos de reunião e associação. Antes disso, foi consultor sênior em Direitos Humanos para a Oxfam – Canadá e analista de Políticas de Direitos Humanos na Agência Internacional de Desenvolvimento do Canadá (Cida). Atuou, por 12 anos, como diretor sênior de Direito da ONG Artigo 19, que atua na área de direitos humanos, liberdade de expressão e direito à informação. Foi ainda consultor para essas áreas em vários órgãos, como Banco Mundial, organismos do sistema ONU, instituições intergovernamentais, governos e ONGs de diferentes países.

Mendel elaborou diversos projetos legislativos sobre direito à informação e regulação da mídia e publicou várias obras sobre temas como liberdade de expressão, direito à informação, direitos de comunicação e questões sobre refugiados, abrangendo estudos comparativos legais e analíticos sobre serviços públicos de radiodifusão, direito à informação e políticas de radiodifusão.

A seguir, a entrevista completa de Toby Mendel.

Secom: Como tornar o direito à informação uma realidade mundial? O livro “Liberdade de Informação: um estudo de direito comparado”, lançado pelo senhor em 2008, oferece alternativas, do ponto de vista legal?

Toby Mendel: Na realidade, esta é uma questão complicada. É claro que precisamos ter uma legislação específica sobre o direito à informação, inclusive no Brasil. Esta lei deverá ter quatro aspectos-chave: a) amplo espectro em termos de órgãos públicos e da informação abrangida; b) procedimentos claros sobre como fazer uma requisição de informações; e c) o direito de apelação contra qualquer recusa a providenciar o acesso do cidadão a um órgão administrativo independente.

Secom: E como harmonizar a legislação para a convergência entre mídia e internet? Já existe um padrão definido para tal?

TM – Ainda é prematuro para os países pensarem sobre como lidar com as mídias na internet. Talvez elas simplesmente não precisem ser reguladas de uma única forma Sempre será possível, por exemplo, que os cidadãos acessem as mídias de outros países na internet – diferentemente de outras formas de mídia. Por isso, não tenho certeza de que é possível ter uma regulação nesta área. É importante, entretanto, assegurar que não apliquemos simplesmente os mesmos tipos de regras que atualmente usamos fora da internet, offline, porque elas são danosas para a liberdade de expressão online. Então, precisamos elaborar regras especiais, por exemplo, quanto à difamação online.

Secom – É possível que uma regulação na Internet seja aceita sem ser considerada uma ameaça à liberdade de expressão?

TM – Primeiramente, não é verdade que a internet seja um espaço totalmente livre em muitos países. Por exemplo, como observei antes, regras tradicionais sobre difamação têm sido aplicadas na internet em muitos países – frequentemente criando problemas para a liberdade de expressão. Por isso, o mais necessário agora é adaptar estas regras para a internet.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A cor do mapa - Marcos Coimbra (*)

Correio Braziliense - 03/11/2010
(*) Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

Quem considera os números da eleição vê outra realidade. Dilma não venceu por causa do Nordeste e do Norte. Ela venceu porque venceu nos dois Brasis.
Enquanto proliferam explicações e opiniões a respeito da vitória de Dilma, é preciso estar atentos aos fatos. Sem eles, ficam somente as impressões e as versões.
Algumas sequer nascem da interpretação de alguém, com a qual se pode concordar ou discordar. São as mais perigosas, pois não estão claramente marcadas com um sinal de autoria. Por não tê-lo, terminam parecendo verdades naturais, como se fossem apenas dados de realidade.Tome-se o modo como a mídia costuma apresentar os resultados da eleição, sempre através de mapas.

Todos os veículos os usam, colorindo os estados onde Dilma ganhou de uma cor e aqueles onde Serra se saiu melhor de outra. Não por acaso, pintam os primeiros de vermelho e os outros de azul.
Vistos sem maior reflexão, esses mapas mostram um retrato enganoso da eleição. Pior, podem induzir a uma impressão equivocada e a versões incorretas sobre a eleição que acabamos de fazer.
O que vemos é um Brasil dividido quase ao meio, ao longo de uma linha que começa no Acre, passa pela divisa norte de Rondônia, Mato Grosso e Goiás, e vai até o Atlântico, na altura do Espírito Santo. Abaixo dela, tudo fica azul, salvo o Rio de Janeiro, Minas Gerais e o pequeno Distrito Federal.
O Brasil vermelho inclui o restante do Norte (interrompido pelo azul de Roraima) e o conjunto do Nordeste. Esse seria o Brasil da Dilma, enquanto o outro, o de Serra.
É fato que Serra venceu no conjunto nos estados do Sul e em quase todos do Centro-Oeste, assim como em São Paulo e no Espírito Santo. Mas isso está longe de querer dizer muito sobre o significado da eleição.

Certamente, nada tem a ver com uma tese muito cara a alguns analistas, segundo a qual Dilma deveria sua vitória ao Brasil atrasado e ao eleitor miserável. Como esses mapas revelariam, o Brasil azul, o mais rico e moderno, preferia Serra. Foi o pobre e arcaico, o vermelho, que impediu que ele se tornasse presidente.Essa visualização da eleição corrobora, assim, uma visão dualista e preconceituosa, muito frequente na mídia e em parte da opinião pública. Nela, a derrota do azul pelo vermelho viria da mistura de paternalismo e demagogia promovida por Lula e sustentada pelo Bolsa Família. Os mapas coloridos seriam a evidência de que sua estratégia foi bem-sucedida, apesar de imoral.Quem considera os números da eleição vê outra realidade. Dilma não venceu por causa do Nordeste e do Norte. Ela venceu porque venceu nos dois Brasis.

O modo mais imediato de mostrar isso é comparar o voto que ela obteria se fôssemos (como alguns até desejam) dois países: o Brasil sem o Nordeste e o Norte, e o Brasil por inteiro. Nessa hipótese, como seriam os resultados?Ao contrário do que certas pessoas imaginam, Dilma teria sido igualmente eleita se o Nordeste e o Norte não votassem. Ela não precisou do Brasil mais pobre para vencer.Somando os votos do Sudeste, do Sul e do Centro-Oeste, Dilma derrotou Serra. Ou seja: o predomínio da cor azul nessas regiões é verdadeiro, mas encobre uma realidade mais importante. Serra foi bem votado nesse conjunto de estados, mas perderia assim mesmo.É com interpretações e versões que se conta a história de uma eleição. E é necessário evitar que prevaleça, a respeito das eleições presidenciais de 2010, uma versão que reduz seu significado e que não é verdadeira.

Dilma se elegeu com o voto de pessoas de todos os tipos, desde os eleitores mais humildes do interior e das cidades pequenas, até os setores mais educados e modernos de nossa sociedade, que vivem em metrópoles ricas e avançadas. Seu desempenho, segmento por segmento do eleitorado, não foi homogêneo (como não foi o de Serra), pois em uns ela se saiu melhor que em outros. Mas isso não invalida que sua candidatura tenha sido amplamente apoiada nos estratos de educação e renda elevados, como mostravam as pesquisas.
Mapas coloridos podem ser bonitos, mas, às vezes, mais atrapalham que ajudam.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O Brasil de Dilma: mãos à obra

A vitória de Dilma Roussef é um recado da sociedade às forças conservadoras que tentaram, por vários meios, impedir que isso acontecesse. Entre eles destaque-se os meios de comunicação, transformados em partido político, sem base social mas ainda com grande poder persuasivo.

Foram eles os responsáveis pela realização do segundo turno em 2006
e 2010. Sem mandato, julgam-se no direito absoluto de impor à sociedade suas visões de mundo, defendendo interesses restritos à classe social da qual são parte e porta-vozes. Trata-se de uma distorção incompatível com o jogo democrático. O presidente Lula disse, em excelente entrevista à Carta Maior (com Página 12, da Argentina e La Jornada, do México), estar decidido a se empenhar, fora do governo, no trabalho de "primeiro convencer o meu partido de que a reforma política é importante, (...) e depois, convencer os partidos aliados de que a reforma política é importante. Se tivermos maioria, poderemos votar a reforma política, eu diria, nos próximos dois anos".

Tarefa imprescindível, sem dúvida. O Brasil vive sob o descompasso existente entre os avanços econômicos e culturais alcançados nos últimos oito anos e um sistema político arcaico, perpetuador de privilégios. Executivos comandados por presidentes populares, afinados com as aspirações maiores da sociedade, tiveram sempre a fustigá-los interesses mesquinhos articulados por máquinas políticas instaladas no legislativo, mais suscetível ao voto não-ideológico. Situações geradoras de crises históricas que levaram, por exemplo, Getúlio à morte e Jango ao exílio.

Lula não foi exceção e só sobreviveu graças a sua incontestável habilidade política. Daí o seu empenho em, além de eleger a sucessora, dar a ela a possibilidade de governar com um Congresso menos hostil. Talvez essa tenha sido a maior exasperação da mídia ao perceber que muitos dos seus aliados e representantes tradicionais não voltariam, como não voltarão, à Câmara e ao Senado no ano que vem.

No entanto, o país não pode mais ficar à mercê das circunstâncias de ter, como hoje, um presidente disposto a enfrentar nas urnas esses adversários. Para isso são necessárias novas formas, modernas e democráticas, de se fazer política no Brasil. Financiamento público de campanha, equilíbrio nas representações parlamentares estaduais na Câmara e voto em lista, distrital ou misto, são pontos de partida para a discussão proposta pelo presidente Lula.

Mas a reforma não terá efeitos práticos se os meios de comunicação seguirem tendo o absurdo papel político-eleitoral de hoje. Não há democracia que resista por muito tempo ao poder que tem quatro famílias de estabelecer a agenda política nacional. Derrotadas, graças à força de um governo que as superou nas ruas e nas praças, nada garante que não voltem ainda mais dispostas a apoiar - como já fizerem em outras oportunidades - aventuras golpistas.

Não é tarefa fácil. Exige alta dose de competência e muito sangue frio. Qualquer ação corretiva nessa área é chamada de censura por aqueles que defendem seus privilégios com unhas e dentes. Se arvoram senhores da liberdade de expressão, de falarem o que querem, obrigando todos os demais ao mutismo.

Com a força das urnas, o novo governo pode acelerar algumas das iniciativas esboçadas na gestão que se encerra. A mais urgente é dar
ordenação legal ao setor da radiodifusão, verdadeira terra de ninguém,
sem lei e sem ordem. O governo Lula deixará para a presidente Dilma o
embrião desse projeto calcado nas experiências mais avançadas existentes hoje em todo o mundo e, claro, sintonizadas com a realidade brasileira. Não é possível seguirmos, na era da digitalização e da crescente convergência dos meios, com leis que tratam separadamente as telecomunicações e a radiodifusão. E, esta, além disso datada de 1962, época da chegada do vídeo-tape e da TV em preto e branco.

Quando o mundo convergia suas legislações para adaptar os marcos
legais a realidade tecnológica, o Brasil no governo tucano as separava
para permitir a privatização das telefônicas e preservar os privilégios dos radiodifusores. Está mais do que na hora de acabar com isso.

Cabe lembrar que já em 2007, o documento final do 3º Congresso
Nacional dos Partidos dos Trabalhadores propunha "a imediata revisão
dos mecanismos de outorga de canais de rádio e TV, concessões públicas
que vêm sendo historicamente tratadas como propriedade absoluta por
parte das emissoras de radiodifusão. Esta atualização passa pelo
cumprimento da Lei, haja vista a flagrante ilegalidade em diversas
emissoras, por maior transparência e agilidade nos processos e pela
criação de critérios e mecanismos para que a população possa avaliar e
debater não somente a concessão, mas também a renovação de outorgas".

O PT deve se juntar à luta da sociedade organizada para concretizar os preceitos da Constituição Federal de 1988 que estabelecem a proibição do monopólio na mídia e definem como finalidade do conteúdo veicular a educação, a cultura e a arte nacionais.

Que tal começar já, discutindo e aprofundando essas questões no período de transição do governo Lula para o governo Dilma? Passo fundamental nesse sentido é dotar o Ministério das Comunicações de transparência absoluta, aberto à sociedade e aos seus reclamos quanto, por exemplo, a qualidade dos serviços prestados pelas empresas de rádio, televisão e telefonia. Tornando-o partícipe da elaboração e encaminhamento de projetos de lei voltados para a democratização das comunicações, hoje restritos a outras àreas de governo, como as Secretarias Especiais de Direitos Humanos e de Comunicação da Presidência da República.

Mas um novo Ministério das Comunicações é apenas parte do enfrentamento do problema. Por se tratar de questão-chave para a democracia a empreitada deve ser vista como prioridade absoluta do governo como um todo. Só assim haverá massa crítica e força suficientes para avançarmos no projeto nacional de banda larga oferecido por sistema público, acabarmos com a propriedade cruzada dos meios de comunicação, ampliarmos a abrangência de cobertura da TV Brasil e das emissoras de rádio da EBC, garantirmos a aplicação do dispositivo constitucional referente a obrigatoriedade de um percentual de programas regionais na televisão, criarmos uma agência reguladora para os serviços de radiodifusão capaz de, por exemplo, coibir a violação constante dos direitos humanos cometidos no rádio e na TV, entre tantas outras tarefas urgentes.

Sem esquecer a necessidade, prioritária, de impulsionarmos a existência de um grande jornal diário nacional, capaz de oferecer ao brasileiro uma outra visão de mundo, comprometida com a solidariedade e a justiça social, como fazia a Última Hora na metade do século passado.

Vamos buscar aquilo que de melhor o século 20 nos legou para, com a distribuição mais justa e acessível das novas tecnologias, passarmos a oferecer melhor não só as nossas riquezas materiais, mas também nossos preciosos bens simbólicos, fundamentais para a elevação do grau de civilidade do nosso país.

domingo, 31 de outubro de 2010

Marcos Coimbra: Três mitos sobre a eleição de Dilma

Enquanto o País vai se acostumando à vitória de Dilma Rousseff, uma nova batalha começa. Nem é preciso sublinhar quão relevante, objetivamente, é o fato de ela ter vencido a eleição, nas condições em que aconteceu. Ela é a presidente do Brasil e, contra este fato, não há argumentos.Sim e não. Porque, na política, nem sempre os fatos e as versões coincidem. E as coisas que se dizem a respeito deles nos levam a percebê-los de maneiras muito diferentes.Nenhuma versão muda o resultado, mas pode fazer com que o interpretemos de forma equivocada. Como consequência, a reduzir seu significado e lhe diminuir a importância. É nesse sentido que cabe falar em nova batalha, que se trava em torno dos porquês e de como chegamos a ele.Para entender a eleição de Dilma, é preciso evitar três erros, muito comuns na versão que as oposições (seja por meio de suas lideranças políticas, seja por seus jornalistas ou intelectuais) formularam a respeito da candidatura do PT desde quando foi lançada. E é voltando a usá-los que se começa a construir uma versão a respeito do resultado, como estamos vendo na reação da mídia e dos “especialistas” desde a noite de domingo.O “economicismo” – O primeiro erro a respeito da eleição de Dilma é o mais singelo.Consiste em explicá-la pelo velho bordão “é a economia, estúpido!”É impressionante o curso que tem, no Brasil, a expressão cunhada por James Carville, marqueteiro de Bill Clinton, quando quis deixar clara a ênfase que propunha para o discurso de seu cliente nas eleições norte-americanas de 1992. Como o país estava mal e o eleitorado andava insatisfeito com a economia, parecia evidente que nela deveria estar o foco do candidato da oposição.Era uma frase boa naquele momento, mas só naquele. Na sucessão de Clinton, por exemplo, a economia estava bem, mas Al Gore, o candidato democrata, perdeu, prejudicado pelo desgaste do presidente que saía. Ou seja, nem sempre “é a economia, estúpido!”Aqui, as pessoas costumam citar a frase como se fosse uma verdade absoluta e a raciocinar com ela a todo momento. Como nas eleições que concluímos, ao discutir a candidatura Dilma.É outra maneira de dizer que os eleitores votaram nela “com o bolso”.Como se nada mais importasse. Satisfeitos com a economia, não pensaram em mais nada. Foi o bolso que mandou.Esse reducionismo está equivocado. Quem acompanhou o processo de decisão do eleitorado viu que o voto não foi unidimensional. As pessoas, na sua imensa maioria, votaram com a cabeça, o coração e, sim, o bolso, mas este apenas como um elemento complementar da decisão. Nunca como o único critério (ou o mais importante).A “segmentação” – O segundo erro está na suposição de que as eleições mostraram que o eleitorado brasileiro está segmentado por clivagens regionais e de classe. Tipicamente, a tese é de que os pobres, analfabetos, moradores de cidades pequenas, de estados atrasados, votaram em Dilma, enquanto ricos, educados, moradores de cidades grandes e de estados modernos, em Serra.Ainda não temos o mapa exato da votação, com detalhe suficiente para testar a hipótese. Mas há um vasto acervo de pesquisas de intenção de voto que ajuda.Por mais que se tenha tentado, no começo do processo eleitoral, sugerir que a eleição seria travada entre “dois Brasis”, opondo, grosso modo, Sul e Sudeste contra Norte, Nordeste e Centro-Oeste, os dados nunca disseram isso. Salvo no Nordeste, as distâncias entre eles, nas demais regiões, nunca foram grandes.Também não é verdade que Dilma foi “eleita pelos pobres”. Ou afirmar que Serra era o “candidato dos ricos”. Ambos tinham eleitores em todos os segmentos socioeconômicos, embora pudessem ter presenças maiores em alguns do que em outros.As diferenças no comportamento eleitoral dos brasileiros dependem mais de segmentações de opinião que de determinações materiais. Em outras palavras, há tucanos pobres e ricos, no Norte e no Sul, com alta e com baixa escolaridade. Assim como há petistas em todas as faixas e nichos de nossa sociedade.Dilma venceu porque ganhou no conjunto do Brasil e não em razão de um segmento.O “paternalismo” – O terceiro erro é interpretar a vitória de Dilma como decorrência do “paternalismo” e do “assistencialismo”. Tipicamente, como pensam alguns, como fruto do Bolsa Família.Contrariando todas as evidências, há muita gente que acha isso na imprensa oposicionista e na classe média antilulista. São os que creem que Lula comprou o povo com meia dúzia de benefícios.As pesquisas sempre mostraram que esse argumento não se sustenta. Dilma tinha, proporcionalmente, mais votos que Serra entre os beneficiários do programa, mas apenas um pouco mais que seu oponente. Ou seja: as pessoas que tinham direito a ele escolheram em quem votar de maneira muito parecida à dos demais eleitores. Em São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, os candidatos do PSDB aos governos estaduais foram eleitos com o voto delas.Os três erros têm o mesmo fundamento: uma profunda desconfiança na capacidade do povo. É o velho preconceito de que o “povo não sabe votar” que está por trás do reducionismo de quem acha que foi a barriga cheia que elegeu Dilma. Ou do argumento de que foram o atraso e a ignorância da maioria que fizeram com que ela vencesse. Ou de quem supõe que a pessoa que recebe o benefício de um programa público se escraviza.É preciso enfrentar essa nova batalha. Se não, ficaremos com a versão dos perdedores.
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi. Também é colunista do Correio BrazilienseRevista Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/politica/tres-mitos-sobre-a-eleicao-de-dilma

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Fernando Morais: O Brasil já não fala fino com Washington

A rádio CBN entrevistou nesta quinta (28) duas personalidades renomadas da cultura brasileira sobre suas opções no segundo turno das eleições presidenciais. Um deles é o poeta Ferreira Gullar, eleitor de Serra. O outro é Fernando Morais, jornalista, escritor e ex-secretário de Cultura de São Paulo (no governo Quércia, quando criou a Universidade Livre de Música).Gullar, que em tempos já idos foi um homem de esquerda, justificou sua preferência alegando conhecer José Serra desde os anos 1960 e elogiando supostas realizações do tucano contestadas por especialistas, como a viabilização dos genéricos, apresentada como resultado de uma luta contra as multinacionais do remédio, o que não corresponde à verdade, segundo o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite.

No mesmo tom da campanha demo-tucana, o poeta e ex-comunista disse que não vota em Dilma porque não a conhece e não confia em sua capacidade, um argumento pífio e de fundo machista, que exala ignorância em vez de sabedoria.

Dois exemplos

Já Fernando Morais, autor do livro A ilha (sobre Cuba) e de uma bela biografia de Assis Chateaubriand (Chatô), entre outras obras, foi bem mais convincente ao expor as razões pelas quais vota em Dilma e não vota em Serra. Leia abaixo o depoimento ( curto e grosso) do escritor à CBN:

“Eu voto na Dilma porque é a pessoa mais qualificada para dar continuidade ao período que é seguramente o período mais importante na história do Brasil nos últimos 50 anos. Desde Getúlio Vargas nenhum presidente promoveu transformações tão profundas quanto o Lula

“Vou pegar dois exemplos, em primeiro lugar o feito que foi tirar da miséria absoluta 30 milhões de pessoas, como a população inteira sabe. Isto significa 10 vezes a população do Uruguai , seis vezes a população da Dinamarca e não é esmola como dizem seus adversários. O Bolsa Família é um projeto de integração, de inclusão social, provavelmente um dos maiores já realizados no mundo.

“Depois, por outra razão que é a política externa independente. Provavelmente o Brasil, desde Horácio Lafer, não tem uma política externa tão altiva, tão independente, que o Chico Buarque resumiu muito bem: é uma política externa que não fala fino com Washington nem fala grosso com o Paraguai e com a Bolívia [o contraste com a diplomacia dos pés descalços de FHC é colossal]

“Não voto em Serra também porque conheço o Serra, sei quem é ele, é um desagregador, um dos poucos políticos que eu conheço que não tem amigos. O Serra foi a um cartório em São Paulo e registrou, escreveu num pedaço de papel ´vou ser candidato a prefeito de São Paulo e prometo cumprir o mandato até o fim´ . Assinou em baixo, José Serra, e no meio do mandato foi embora, largou a Prefeitura pela metade, entregou a prefeitura para o DEM, para a antiga Arena. Depois se elege governador, larga o governo pela metade

“Como é que eu posso colocar para presidir um país, que não é para ser gerente, o Brasil não é uma agência bancária, não é uma loja de banana, como é que vou colocar para dirigir um país de 200 milhões de habitantes alguém que não cumpre nem a própria palavra.

“Essas são as razões essenciais pelas quais eu não voto no Serra”.

Da redação, com CBN
(transcrição do blog de Paulo Henrique Amorim - Conversa a Afiada: http://www.conversaafiada.com.br/politica/2010/10/28/morais-brasil-ja-nao-fala-fino-com-washington/)

Decano da TVC-Rio, Anoar de Salles faz 76 anos

O atual coordenador de finanças da TV Comunitária do Rio de Janeiro, Anoar Kalil de Salles completou no dia 28 de outubro de 2010, 76 anos de idade. Desejamos a esse ilustre colaborador do canal comunitário do Rio muita paz, saúde e prosperidade. Anoar é o nosso decano e merece todas as nossas homenagens.
Moysés Corrêa, coordenador geral da TVC-Rio

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Blog de Paulo Henrique Amorim divulga mensagem do jornalista Oswaldo Maneschy sobre os perigos das urnas eletrônicas

O Conversa Afiada publica artigo do Maneschy, que trabalhou com o Brizola, o primeiro a denunciar: essa urna eletrônica do Nelson serrista Jobim é um convite à fraude !


Prezado Paulo Henrique:

Acabo de chegar de São Luis (MA) onde acompanhei como observador do PDT a auditoria nas urnas eletrônicas usadas no 1° turno das eleições do Maranhão feita pelo engenheiro especializado em segurança de informática, Amilcar Brunazo Filho, e a advogada especialista em Direito Eleitoral, Maria Aparecida Cortiz. Como sabe, além de brizolista, sou velho crítico dessas máquinas e neste 1° turno os resultados em três estados me chamaram a atenção: Paraná, São Paulo e Maranhão. Tiveram jeito de coisa encomendada.

No primeiro (PR), ganhou o candidato a governador que as pesquisas, antes de terem sua divulgação proibida a 15 dias da eleição, mostravam em queda; no segundo (SP), além da suspeita demora na divulgação dos números finais, sem mais nem menos, no último segundo, venceu um senador que ninguém esperava; e, no terceiro (MA), a velha oligarquia local teve uma vitória prá lá de boa – por 4 mil votos em um universo de mais de 4 milhões de eleitores.

No Paraná e em São Paulo ninguém contestou nada, os eleitos estão aí empenhados na candidatura Serra neste 2° turno das eleições presidenciais. Já no Maranhão, foi diferente.

O deputado federal Flávio Dino (PcdoB), juiz federal e ex-relator da recente reforma eleitoral aprovada pelo Congresso que obriga, a partir de 2014, as urnas eletrônicas imprimirem o voto (para permitir a recontagem) – achou o resultado suspeito e para compreender melhor o ocorrido, contratou o engenheiro Amilcar Brunazo Filho e a advogada Maria Aparecida Cortiz, ambos de São Paulo, para auditarem o resultado das eleições maranhenses.

Brunazo e Cida representam o PDT no TSE há pelo menos 10 anos e são dos poucos brasileiros que aprenderam a lidar, fora os técnicos da própria Justiça Eleitoral, com essa caixa-preta que são as urnas eletrônicas usadas no país desde 1996. Máquinas que Leonel Brizola, numa das muitas imagens rurais que incorporou à política nacional, dizia serem equivalentes à argola que se põe no focinho do touro para levá-lo aonde se quer. O touro era o Brasil.

O relatório técnico preparado por Brunazo e Aparecida levantou várias irregularidades nas eleições maranhenses e, por conta dele, Flávio Dino entrou com uma representação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Maranhão contestando o resultado. No exíguo prazo que isto é possível, pela lei. O problema é que cabe ao próprio TRE-MA decidir se irregularidades foram, ou não, cometidas.

Isto porque no Brasil a Justiça Eleitoral acumula os três Poderes da República: ela normatiza as eleições, portanto legisla; ela faz as eleições acontecerem, ou seja, executa e; já que são juízes, ela também julga o que tiver que ser julgado. Tanto poder junto só no tempo da ditadura e as pessoas passam batidas, não se apercebem disso.

É importante lembrar que o Maranhão é o Estado onde a ditadura não acabou, como costuma dizer o Dr. Jackson Lago (PDT), 3° colocado na disputa para governador, porque Sarney jamais saiu do poder desde que chegou lá, na época dos militares.

O resultado da eleição foi tão conveniente para Roseana que realmente pareceu sob encomenda. Dino somou 859.402 votos, ou 29,45% do eleitorado; enquanto o ex-governador Jackson Lago (PDT), fez 569.412 votos – ou 19,54% do eleitorado. Outros dois candidatos disputaram a eleição. Um segundo turno no Maranhão, na opinião dos analistas locais, seria fatal para Roseana porque o que não aconteceu no 1° turno, a união de Lago e Dino, ambos anti-Sarney, com certeza aconteceria no 2° turno – e com a ajuda dos nanicos.

Também não custa lembrar, Paulo Henrique, que Roseana chegou ao poder estadual depois que o TSE afastou do Palácio dos Leões o íntegro Jackson Lago, um médico pobre, em processo prá lá de polêmico. Jackson foi acusado, processado e condenado pela Justiça Eleitoral por “abuso de poder econômico e compra de votos”. Crime que no Maranhão é quase marca registrada dos Sarney. Uma ironia.

Pois saltam aos olhos algumas conclusões da auditoria sobre o 1° turno no Maranhão. Há indícios gravíssimos de fraude que deveriam ser apurados antes do 2° turno, dia 31 que vem. Provas existem, estão lá. Mas a Justiça Eleitoral maranhense vai decidir ainda se apura, ou não, se ela é culpada – já que é a guardiã do processo eleitoral.

Como diz aquela máxima do Direito, “quem guarda o guardião?” Essa decisão, importantíssima para os cidadãos do Maranhão, sai agora ou fica para as calendas gregas?

Com fundamento no que autoriza a Resolução do TSE número 23.218/10, na primeira semana após os resultados do 1° turno, Amilcar Brunazo e Maria Aparecida Cortiz pediram ao TRE-MA uma série de documentos, impressos e digitais, para auditar o sistema: as Tabelas Básicas de Dados Alimentadores do Sistema; o Relatório de Pendências e Decisões; a Ata oficial da Cerimônia de Geração de Mídias; os Arquivos de Resultados por Seção Eleitoral; os Espelhos dos Boletins de Urna (BU); os Arquivos de LOG das urnas eletrônicas usadas no Maranhão, do Gerador de Mídia e da Totalização; e os Arquivos dos Registros Digitais dos Votos (RDV).

Além disso, pegaram no portal do TSE, na Internet, os Boletins de Urna publicados na Internet (BUweb), as Tabelas de Correspondências Esperadas e Efetivadas e, também, o programa visualizador de LOG das urnas, o LogView. Um senhor calhamaço que foi analisado em curtíssimo espaço de tempo porque a Justiça Eleitoral só dá 72 horas, após a proclamação do resultado oficial, para contestar o resultado.

Aliás, esse é um dos absurdos na eleição brasileira: no tempo do voto de papel, a apuração levava semanas, até meses, para acabar. Agora termina em poucas horas. Mas o prazo para contestar o resultado continua sendo o mesmo dos tempos da contagem do voto de papel: 72 horas depois de proclamado o vencedor. Algo absolutamente conveniente à Justiça Eleitoral em prejuízo da cidadania – já que a pura e simples recontagem de votos é impossível. Não há votos para recontar, há dados a serem analisados – e assim mesmo se a Justiça Eleitoral os fornecer, o que é sempre uma incógnita.

Com base nos logs (arquivos eletrônicos produzidos pela máquina) produzidos pelas 15 mil urnas eletrônicas usadas no Maranhão, Amilcar Brunazo descobriu, por exemplo, que 19 mil dos votos computados no resultado oficial só entraram nas máquinas após às 17h30m quando, oficialmente as portas das seções eleitorais já estavam fechadas desde às 17 horas. Na análise dos dados Brunazo usou como parâmetro as seguintes informações: urnas que receberam no mínimo cinco votos após às 17h30m e votos introduzidos na máquina com intervalo de tempo inferior a um minuto. Coisa de profissional, não de eleitor comum.

Esses 19 mil votos, suficientes para mudar o resultado oficial, provam que presidentes de seção e mesários, por falta de fiscalização, votam pelo eleitor antes da emissão do BU e a entrega dos disquetes com resultados, para a totalização. Fraude simples, que não tem nada a ver com alta tecnologia e só acontece por falta de fiscalização. Pessoas acham que urnas eletrônicas são 100% seguras, quando na verdade elas são 100% inseguras.

Por isso é fundamental neste 2° turno que haja fiscais em cada uma das 400 mil e poucas seções eleitorais que funcionarão no país. Se não tiver gente de olho, atenta, mesário pode votar pelo eleitor. Porque ele tem o número do título do eleitor, no caderno de assinaturas, exatamente a informação que habilita a máquina para receber o voto. Se ninguém estiver de olho e ele for desonesto, vota com certeza pelo eleitor – ainda mais se a abstenção for alta.

Também é fundamental que no final do dia o fiscal de partido recolha o boletim de urna (BU) em papel, com a assinatura dos mesários, na seção eleitoral. Esse documento é garantia de que a totalização será feita corretamente, somando-se votos de urnas oficiais. Porque no caminho até a Zona Eleitoral, onde o disquete é introduzido no sistema totalizador, o disquete pode ser trocado por outro, produzido por urna clonada.

De posse do BU impresso, o fiscal pode conferir o resultado, seção por seção, zona por zona eleitoral, a partir da disponibilização da informação oficial da apuração na página do TSE na Internet. Uma conquista do PDT junto ao TSE, ao longo do tempo.

Brunazo e Cida constataram que nas urnas biométricas do Maranhão, usadas nos municípios de Paço do Lumiar e Raposa, ocorreram liberações de máquina pelo mesário – absolutamente anormais. Explico melhor: a urna biométrica, aquela em que o eleitor vota usando sua digital, além dos documentos normais de identificação, em caso de falso negativo (o eleitor ser ele mesmo, mas a máquina não reconhecer sua digital) – o mesário libera a máquina por senha.

Ou seja, cada presidente de mesa com urna biométrica possui senha para fazer a máquina funcionar caso ela não reconheça a digital do eleitor cadastrado. Pois dos 51.652 votos colhidos em urnas biométricas no Maranhão, 2.991 votos (5,8% do total) foram coletados de pessoas que não tiveram a sua impressão digital reconhecida, ou seja, via senha. Média seis vezes superior a inicialmente estimada pelo TSE.

No mundo real, isto mostra que mesários de urnas biométricas também “emprenham” as máquinas, votando no lugar dos eleitores. Em uma delas, em Paço de Lumiar, 1/3 dos eleitores votaram por senha – um número totalmente absurdo. Com um detalhe: a urna biométrica “entrega” a fraude dos mesários porque mostra, no BU impresso, quantas vezes foi acionada por senha. O que não acontece na urna comum. Ela também registra a digital do “falso-negativo” – bastando uma simples investigação pela Justiça Eleitoral para pegar os fraudadores. Mas será que eles serão pegos?

O mais grave constatado na auditoria foi a descoberta de que foram geradas mais de 200 Flash de Carga de urnas no Maranhão, além das necessárias. Uma única Flash de Carga serve para preparar urnas de até 100 seções eleitorais diferentes. Nas Flash de Carga são gravados dados sigilosos como as chaves de segurança das máquinas, além dos dados pessoais de eleitores e, naturalmente, as cópias de todos os softwares usados.

Elas são as únicas mídias externas das urnas com capacidade operacionais de inicializá-las sob seu total controle e nelas inserir qualquer software. Por isso o manuseio das Flash é cercado de cuidados regulamentados pela Resolução TSE n° 23.212/2010. Há registro em ata detalhado e redundante de cada Flash de Carga gerada, além de arquivo de LOG dedicado, sendo ainda obrigatório o acondicionamento delas em envelopes especiais de segurança, lacrados; sujeitas ainda a procedimentos normatizados para encaminhamento e guarda, após o uso delas. As Flash de Carga são o busilis do processo eletrônico de votação.

Pois analisando as informações sobre a geração e uso das Flash de Carga do Maranhão, como a Ata da Cerimônia de Mídia; o Arquivo de LOG da Geração de Mídia; o arquivo de LOG dos computadores usados nesta tarefa e a análise das Tabelas de Correspondências – fornecidas pelo próprio TSE-MA – Brunazo constatou que foram geradas 694 Flash com destino determinado, o que é absolutamente normal e serve para cobrir todas as 14.243 seções eleitorais do Estado do Maranhão; mas,depois, foram geradas outras 237 sem destino previsto. O que não faz sentido. Já os arquivos de LOG das 30 máquinas usadas na Geração de Mídias registraram a geração de 969 Flash de Carga, sendo oito delas com numeração duplicada – algo inaceitável levando-se em consideração a segurança do sistema. Ou seja, informações díspares e desencontradas. Não deveria ser assim.

Segundo o relatório, os fatos são graves porque gerar Flash de Carga diferentes para seções eleitorais diferentes, mas com o mesmo número serial, quebra a segurança contra a duplicidade de cargas. Abrindo oportunidade para fraudes “ao sabor da criatividade de quem estiver interessado”, inclusive a clonagem de urnas para gerarem resultados falsos,mas perfeitamente aceitáveis pelo sistema totalizador. Uma festa!

Brunazo acha necessário fazer uma auditoria “muito mais profunda e completa” na eleição do Maranhão, coisa que ele não teve tempo para fazer. Os fatos ocorreram, ficaram registrados nos arquivos digitais, os documentos estão lá, mas é preciso apurar mais. Ele concluiu também que diante da multiplicação irregular das Flash de Carga, não há como garantir se os Boletins de Urna (BU) aceitos na totalização foram os gerados pelas urnas oficiais, ou não. É preciso o TRE-MA apurar o que realmente aconteceu, já que a guarda de todos os documentos é de sua responsabilidade.

Ou nada feito, já que o guardião é que guarda o guardião.

Infelizmente, com as inseguras máquinas de votar que usamos no Brasil, presidente e mesário votam. Além de fiscalização, é fundamental que depois da eleição sejam recolhidos nos TREs os dados do pleito para que, através deles, se confira o que aconteceu dentro das máquinas. No Maranhão, malandramente, esses dados já foram entregues fora do padrão oficial.

Também é fundamental a coleta, nas seções eleitorais de todo o país, dos boletins de urna em papel assinados pelos mesários. Eles evitam as fraudes provocadas pela troca de disquetes de resultados na hora de totalizar. Numa eleição onde os softwares dominam, tudo é possível. Por isso é fundamental a volta do voto impresso conferido pelo eleitor, que tanto desagrada ao TSE que, sempre que pode, o critica. O voto impresso é a maneira mais simples e objetiva de fazer valer a verdade eleitoral, restabelecendo o princípio da recontagem.

Por conta disto, tudo, prezado Paulo Henrique Amorim, nesta véspera de 2° turno onde “pesquisas” aparentemente começam a preparar a opinião pública para o resultado eleitoral que interessa a elite, mais do que nunca é preciso ficar com os olhos bem abertos. Esse filme eu já vi quando Brizola estava vivíssimo e disputando a presidência da República.

As bruxas existem. Ainda mais no dia delas.

Um abraço do amigo

Osvaldo Maneschy

Jornalista e presidente da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini, seção Rio de Janeiro.


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domingo, 17 de outubro de 2010

O exterminador do futuro

Em 1987, ano da Constituinte, encontrei com José Serra no plenário da Câmara dos Deputados aonde fui discutir com alguns parlamentares temas da Seguridade Social. Vi-o muito atarefado com um monte de papel na mão recolhendo assinaturas de deputados. Como o conhecia desde a campanha das diretas, sendo um admirador de suas posições econômicas, me aproximei e perguntei-lhe do que se tratava. É uma emenda para bloquear os recursos propostos por Sarney para a construção da Ferrovia Norte-Sul, esclareceu. Como?, perguntei surpreso; a Norte-Sul é uma obra importante para o Centro-Oeste e para o país, Serra! “Mas que não seja para desequilibrar as contas públicas”, justificou ele, indiferente ao fato de que a Norte-Sul era, de fato, a única grande obra de infra-estrutura tentada por Sarney.

No ano seguinte, o Brasil vivia uma das piores crises inflacionárias de sua história depois do fracasso do Plano Real. Num movimento desesperado para tentar recuperar a estabilidade econômica e relançar o desenvolvimento, tive autorização do presidente da Confederação Nacional da Indústria, Senador Albano Franco, de quem era assessor, para tentar articular um pacto social liderado por empresários e trabalhadores a fim de propor uma alternativa viável, porém não convencional, para a dívida externa, articulada a um programa de relançamento dos investimentos de infra-estrutura. Em síntese, como estávamos em moratória externa, tratava-se de pagar dívida, sim, mas em moeda interna, orientando os recursos forçosamente para investimentos novos na infra-estrutura.

O documento central do Pacto Social chegou a ser assinado por representantes dos trabalhadores e do patronato, a despeito de uma resistência feroz do então ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, empenhado em fazer um acordo convencional com os banqueiros, que se revelou preliminar de uma nova moratória. No curso dessas discussões, levamos o tema do pacto a alguns líderes no Congresso, com outras sugestões. Entre elas, a de reduzir o imposto de renda na base da pirâmide e ter como compensação o acréscimo de uma alíquota marginal para os ricos. No momento em que se discutia isso Serra apareceu na sala e fulminou a proposta, sob a alegação de que não se podia aumentar impostos, mesmo que isso fosse para aliviar os menos favorecidos.

Não me encontrei com Serra no Governo Fernando Henrique. Encontrei-me com Malan, outro dos principais auxiliares de FHC, que me afirmou peremptoriamente que um crescimento de 3,5% do PIB seria perfeitamente satisfatório para o Brasil porque, na década de 90, a taxa de crescimento populacional havia caído! A propósito, um amigo comum me afirmou que, em 1995, assustado com a crise mexicana, Serra advogou decisivamente por uma freada do crescimento brasileiro, que vinha se recuperando com o Plano Real, sob o argumento do risco inflacionário. Como conseqüência, a mediocridade de crescimento iria imperar ao longo de todo o Governo FHC, em especial em função de uma política cambial irresponsável, sem que Serra movesse uma única palha contra.

Portanto, caveant, brasileiros: a República está em risco. Uma distração apenas e elegeremos um contador fiscalista como Presidente, obcecado pela idéia de cortar gastos públicos a qualquer custo, capaz de enterrar a curto prazo com as grandes potencialidades de crescimento que temos, sobretudo depois do segundo mandato do Governo Lula: o mandato efetivamente coordenado por Dilma na Casa Civil. O que está em jogo não é a cadeira presidencial. É o futuro do Brasil. Fala-se em educação, fala-se em saúde, fala-se em aumento de salário mínimo… mas de onde virá o dinheiro para tudo isso, senão do crescimento da economia? Foi o crescimento que permitiu a Lula fazer os programas sociais que fez e reduzir drasticamente o desemprego. Sem ele, perderemos mais uma vez o trem da história.

Sim, porque estamos quase em pleno emprego. Para atingi-lo, será necessário ampliar, e não reduzir gastos públicos. E isso é perfeitamente possível sem gerar inflação. Temos uma dívida pública de pouco mais de 40% do PIB, uma das mais baixas do mundo. Há folga fiscal para crescer. E as pressões inflacionárias, aqui como em todo o mundo, estão longe de representar qualquer risco. Caveat, eleitor! Depois de anos de paralisação quase total do investimento público, sobretudo no período Fernando Henrique/Serra, temos grandes obras em andamento, de aeroportos a hidrelétricas, gerando dezenas de milhares de empregos diretos e indiretos. E o risco que se corre não é de um deputado isolado, mesmo que influente, correndo pelo plenário da Câmara para bloquear um investimento público essencial. Seria de ter no Planalto um presidente que simplesmente não proporá ao Congresso os investimentos necessários. Nessa perspectiva, não seria eleito um presidente da República. Seria eleito o exterminador do futuro. O nosso!

*Jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor de Economia Internacional, introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil ainda no tempo da ditadura militar, autor de mais de 20 livros sobre economia política – entre os quais “A Chave do Tesouro” e “Os Mandarins da República”, sobre os escândalos financeiros do período autoritário -, e o último dos quais sendo “A Crise da Globalização”, sobre a atual crise mundial.

domingo, 10 de outubro de 2010

‘Desinformação’ não serve à democracia, diz Marilena Chauí


Em entrevista exclusiva à Rede Brasil Atual, a professora de filosofia da USP aponta setores ruralistas e classe média urbana como focos de anti-Lula. Ela faz reiteradas críticas à ameaça à liberdade de expressão provocada pela concentração dos meios de comunicação

Por: João Peres, Rede Brasil Atual

Publicado em 10/10/2010, 13:22

Última atualização às 13:22
São Paulo - Marilena Chauí pensa que a velha mídia está nos seus estertores. A filósofa e professora da Universidade de São Paulo (USP) entende que o surgimento da internet, o crescimento das alternativas e as atuais eleições delineiam o fim de um modelo.

A professora, que deixou de escrever e de falar para a velha mídia por não concordar com a postura de vários desses veículos, entende que a imprensa tem papel fundamental para a ausência de debate de temas-chave nas atuais eleições, alimentando questões que favorecem à candidatura de José Serra (PSDB).

Ela considera que não é possível falar de democracia quando se tem o poder da comunicação concentrado em poucas famílias, sem que a sociedade tenha a possibilidade de contestação. Após ato pró-Dilma Rousseff (PT), na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, no centro da capital paulista, a filósofa manifestou à Rede Brasil Atual que os ruralistas e a classe média urbana são os setores que alimentam o ódio a Lula.

Marilena Chauí aponta, sempre em meio a muitos gestos e a uma fala enfática, que o presidente jamais será perdoado. O motivo? Combateu a desigualdade no país.

Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista:

O único ponto aparente de consenso entre os institutos de pesquisa é quanto à aprovação do governo Lula. Que grupos estão entre os 4% da população que consideram ruim ou péssimo o desempenho do presidente?

É um mistério para mim. Tudo que tenho ouvido, sobretudo no rádio, em entrevistas sobre os mais diversos temas, vai tudo muito bem. Os setores que eu imaginaria que diriam que o governo ruim não são. Surpreendentemente.

Mas há dois setores que são “pega pra capar”. Um é evidentemente a agroindústria, mas é assim desde o primeiro governo Lula. Eles formam esse mundo ruralista que o DEM representa. Não são nem adversários, são inimigos. Inimigos de classe.

O segundo setor é a classe média urbana, que está apavorada com a diminuição da desigualdade social e que apostou todas suas fichas na ideia de ascensão social e de recusa de qualquer possibilidade de cair na classe trabalhadora. Ao ver o contrário, que a classe trabalhadora ascende socialmente e que há uma distribuição efetiva de renda, se apavorou porque perdeu seu próprio diferencial. E seu medo, que era de cair na classe trabalhadora, mudou. Foram invadidos pela classe trabalhadora.

Os trabalhadores têm reconquistado direitos e, com isso, setores do empresariado reclamam que há risco de perda de competitividade pelo mercado brasileiro.

Isso é uma conversa para a campanha eleitoral. É coisa da Folha, do Estadão, do Globo, da Veja, não é para levar a sério. E se você for lá e pedir para provar (que perderia competitividade), vão dizer que não falaram, que foi fruto das circunstâncias. Eles sabem que é uma piada isso que estão dizendo, não tem qualquer consistência.

A senhora passou por uma situação parecida à da psicanalista Maria Rita Kehl, agora dispensada pelo Estadão por ter elogiado o governo Lula…

Não foi parecida porque não fui demitida. Eu disse a eles que me recusava a escrever lá. Tanto no Estado quanto na Folha. Tomei a iniciativa de dizer a eles que não teriam minha colaboração.

Quando li o artigo da Maria Rita Kehl, pensei mesmo que poderia dar algum problema. Como é que o Estadão deixou o artigo sair? Era de se esperar que houvesse uma censura prévia.

Agora, se você tomar o que aconteceu nos últimos oito ou nove anos, vai ver que houve uma peneirada e uma parte das pessoas de esquerda simplesmente desistiu de qualquer relação com a mídia. Outras tiveram relação esporádica em momentos muito pontuais em que era preciso se expressar publicamente.

Houve, em um primeiro momento, um deslocamento das pessoas de esquerda para o Estadão, mas um deslocamento que não tinha como durar porque o jornal não tinha como abrigar esse tipo de pensamento.

Desapareceu para valer qualquer pretensão da mídia até mesmo de se oferecer sob uma perspectiva liberal. E sob uma perspectiva democrática. É formidável que no momento em que dizem que nós, do PT, ameaçamos a liberdade de imprensa, eles demitam a Maria Rita.

O que acho, com o segundo turno das eleições de Lula e as eleições da Dilma, é que há um estilo de mídia que está nos seus estertores. O fato de que haja internet e mídia alternativa que se espalha pelo Brasil inteiro muda completamente o padrão.

Passa-se de jornais que tinham função de noticiar para jornais que têm a função de opinar, o que é um contrassenso. A busca pela notícia faz com que não se vá mais em direção ao jornal, vá se buscar em outros lugares.

Em períodos eleitorais, tem sido recorrente a associação entre mídia e partidos políticos. Qual a implicação disso na tentativa de consolidação da democracia?

Isso é o que atrapalha a democracia do ponto de vista da liberdade do pensamento e de expressão. O que caracteriza uma sociedade democrática é o direito de produzir informação e de receber informação, de modo que possa circular, ser transformada. O que se tem é a ausência da informação, a manipulação da opinião e a mentira.

Acabo de ver em um site a resposta do Marco Aurélio Garcia (um dos coordenadores de campanha de Dilma) à manchete da Folha. Como é que a Folha dá manchete falando que Dilma vai tirar a questão do aborto do programa de governo se essa questão não está no programa? É dito qualquer coisa.

Desapareceu o compromisso mínimo com a verdade, o compromisso mínimo com a informação. É uma coisa de partido, puramente ideológica, perversa, de produção da mentira. Isso me lembra muito um ensaio que Hannah Arendt escreveu na época da Guerra do Vietnã. Ela comentava as mentiras que a TV, o rádio e os jornais apresentavam. Apresentavam a vitória no Vietnã, até o instante em que a mentira encontrou um limite tal nos próprios fatos que a verdade teve que aparecer. Ela chamou isso de crise da República, que é quando tem a mentira no lugar da informação. Ou seja, a desinformação. Isso não serve para a democracia.

O governo Lula teve, internamente, a convivência de polos opostos. Talvez tenha sido o primeiro a ter, por exemplo, Ministério de Desenvolvimento Agrário voltado a agricultura familiar e dialogando com o MST e o Ministério da Agricultura, voltado para o agronegócio. O governo e o presidente se saíram bem na tarefa de fazer opostos conviverem?

Sim. E isso é um talento peculiar que o presidente Lula tem, de ser um negociador nato. Como uma boa parte do trabalho do governo foi feita pela Casa Civil, podemos dizer que Dilma Rousseff tem a capacidade de fazer esse trânsito e essa negociação.

Mas como explicar as reações provocadas?

Duas coisas são muito importantes com relação ao atual governo. A primeira é que o governo Lula jamais será perdoado por ter enfrentado a questão da desigualdade social. Lula enfrentou a partir da própria figura dele. O fato de você ter um presidente operário, que tem o curso primário (Lula tem o ensino médio completo), significou a ruína da ideologia burguesa. Todos os critérios da ideologia burguesa para ocupar este posto (Presidência da República), que é ser da elite financeira, ter formação universitária, falar línguas estrangeiras, ter desempenho de gourmet… Enfim, foi descomposta uma série de atrativos que compõem a figura que a burguesia compôs para ocupar a Presidência. Ponto por ponto.

A burguesia brasileira e a classe média protofascista nunca vão perdoar isso ter acontecido. Imagine como eles se sentem. Houve (Nelson) Mandela, Lula, (Barack) Obama, (Hugo) Chávez. É muita coisa para a cabeça deles. É insuportável. É a sensação de fim de mundo.

Tudo que fosse possível fazer para destruir esse governo foi feito. Por que não caiu? Não caiu porque foi capaz de operar a negociação entre os polos contrários. Isso é uma novidade no caso do Brasil porque, normalmente, opera-se por exclusão. O que o governo fez foi operar por entendimento. E a possibilidade de corrigir uma coisa pela outra.

Agora, há milhares de problemas que o próximo governo vai ter de enfrentar. Não podemos cobrar de nós mesmos que façamos em oito ou em 16 anos o que não foi feito em 500. Mas quando se olha o que já foi feito, leva-se um susto. A redução da desigualdade, a inclusão no campo dos direitos de milhões de pessoas, o Luz para Todos, a casa (Minha Casa, Minha Vida), o Bolsa-Família, a (geração de empregos com) carteira assinada… É uma coisa nunca feita no Brasil.

A sra. faz uma avaliação muito positiva do governo. Por que essas medidas não ocorreram antes?

Alguém tinha de vir das classes trabalhadoras para dizer o que precisa fazer no Brasil. Os governos anteriores sequer levavam em conta que isso existia. O máximo que existia era o incômodo de ver essa gente pela rua, embaixo da ponte, fazendo greve, no ponto de ônibus, caindo pelas tabelas na condução pública. Era uma coisa assim que incomodava – (diziam:) “é meio feio, né? É antiestético”. O máximo de reação que a presença de classes populares causava era por serem antiestéticos. É a primeira vez que essa classe foi levada a sério.

Eles vão estrebuchar, vão gritar, vão xingar. Vão pintar a saracura, como diria minha mãe. Mas é isso aí. Deixa pintar a saracura que nós ficamos em pé.