

Depoimento de Beto Almeida, presidente da TV Cidade Livre DF
Carta de Brasília II
O II Fórum Nacional de TVs Públicas, ancorado pela Carta de Brasília (2007), afirma seu compromisso com o processo de democratização da comunicação social brasileira. Visando a conquista de um campo público de televisão editorialmente independente, que estimule a formação crítica do indivíduo para o exercício da cidadania e da democracia, o II Fórum apresenta uma série de propostas e reivindicações. Essas deliberações têm, principalmente, o objetivo de estabelecer alianças e compromissos com os cidadãos brasileiros, razão de sua existência. Organizado pelas entidades do campo público de televisão, o II Fórum contou com a participação de representantes do Governo Federal, do Parlamento e da sociedade civil. A partir das contribuições aos temas em debate, dadas presencialmente ou enviadas por Internet, o II Fórum Nacional de TVs Públicas chegou aos seguintes consensos:
REGULAMENTAÇÃO
O II Fórum Nacional de TVs Públicas entende que toda radiodifusão de sons e imagens é um serviço público e, portanto, depende de concessão outorgada somente pelo Estado.O artigo 223, ao mencionar que existe um sistema público, um estatal e um privado está estabelecendo três categorias diferentes não estanques, não antagônicas, mas três categorias diferentes que têm de ser distinguidas por algum critério; atuar de forma complementar é a prescrição da Constituição. Ao contribuir para a regulamentação dos artigos constitucionais referentes a essa matéria, o II Fórum interpreta que há um sistema de radiodifusão privado, com fins lucrativos e que deve, como os demais sistemas, obedecer aos princípios do artigo 221 de modo preferencial.Entende que há um sistema de radiodifusão público, que é estatal, não tem fins lucrativos e obedece, com exclusividade e não preferencialmente, aos princípios do artigo 221 e da lei 11652. Sua programação está voltada à divulgação e transparência dos atos institucionais e à prestação de contas da administração pública em suas três esferas de poder: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O II Fórum entende ainda que há um sistema de radiodifusão público não-estatal que opera sem intenção de lucro, que deve obediência exclusiva aos princípios do artigo 221, que deve observar os princípios e objetivos contidos na Lei 11.652, que já vigoram para regular o sistema público de comunicação em âmbito nacional. A diferença fundamental entre os dois sistemas é que, no sistema de radiodifusão público não-estatal, as diretrizes de gestão da programação e a fiscalização devem ser atribuição de órgão colegiado deliberativo, representativo da sociedade, no qual o Estado ou o governo não devem ter maioria.Em função dessa conceituação, o II Fórum Nacional de TVs Públicas deliberou pela:1) alteração imediata, por medida provisória dada sua relevância e urgência, do artigo 13 parágrafo único do Decreto Lei 236 de 28 de fevereiro de 1967;2) edição simultânea de uma portaria interministerial, definindo os objetivos e princípios da radiodifusão pública, exploradas por entidades públicas ou privadas, que não o poder executivo federal ou de entidades de sua administração indireta.
FINANCIAMENTO
O II Fórum Nacional de TVs Públicas, por entender que o modelo de financiamento do campo público de televisão impacta diretamente a consecução de seus objetivos e missão, diante do desafio de construir uma televisão pública autônoma e independente afirma os seguintes compromissos:- a não exibição de publicidade de produto ou serviço em todas e qualquer uma das emissoras públicas estatais e não-estatais;.- a criação de modelos de financiamento estáveis e integrados para todo o campo público de televisão;- promover mecanismos entre produtoras independentes, TVs Públicas, Ministério da Cultura e Agencia Nacional de Cinema (Ancine) visando a criação de modelos de negócios que utilizem instrumentos de fomento para a produção independente em TV. O II Fórum reconhece que o modelo de financiamento da EBC é uma referência importante para as TVs Públicas quanto às possibilidades de diversificação de suas fontes de financiamento. E reivindica:- participação de todas as emissoras que compõem o campo público de televisão nos recursos provenientes da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública;- repasse de um percentual de publicidade pública institucional do Governo Federal às emissoras que compõem a Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM).
MIGRAÇÃO DOS CANAIS PÚBLICOS DO CABO PARA REDES DIGITAIS ABERTAS
O II Fórum Nacional de TVs Públicas afirma o direito das TVs Comunitárias e Universitárias ao espaço aberto de transmissão no processo de migração dos canais públicos do cabo para redes digitais e reivindica:- que o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T), incorpore os canais comunitários e universitários como players devidamente identificados no texto da Lei, disciplinando sua operação nos mesmos moldes previstos na Lei do Cabo;- que se garanta o acesso das TVs Comunitárias e das TVs Universitárias ao espectro da TV Digital Aberta Terrestre, com possibilidade de utilização de todas as funcionalidades da tecnologia: interatividade, multiprogramação, mobilidade e multiserviço.- que as TVs Comunitárias tenham assegurada sua participação no novo Canal da Cidadania, como determinado no Decreto 5.820;- que seja incluído um inciso adicional no artigo 3º do Projeto de Lei 27... prevendo o Canal da Universidade, com gestão conjunta, autônoma e isonômica por instituições de ensino superior, autorizadas a funcionar pelo Ministério da Educação, as quais responsabilizar-se-ão por transmitir programação decorrente das produções realizadas por discentes, docentes e colaboradores das referidas instituições de ensino.
OPERADOR ÚNICO DE REDE E MULTIPROGRAMAÇÃO
O II Fórum Nacional de TVs Públicas diante da discussão sobre a infra-estrutura técnica do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T) reivindica:- um operador de rede pública único que congregue todas as emissoras de televisão do campo público de entidades públicas e privadas; - que todas as emissoras do campo público de televisão tenham assegurado o direito à multiprogramacão e à interatividade para a ampliação da transmissão e recepção de conteúdos que venham, de fato, a colaborar para a construção da cidadania no Brasil.
PROGRAMAÇÃO DE TV PÚBLICA
O II Fórum Nacional de TVs Públicas reivindica:- Formação e qualificação técnica e em gestão dos profissionais de comunicação e telecomunicação do campo público de televisão;- Fomento à estruturação de grupos de trabalho permanente, com formato de laboratório e participação de todas as vertentes do campo público de televisão, para a realização de pesquisa e desenvolvimento em inovação de linguagem, em conteúdos para convergência digital, criação de novos formatos de programação elaborados a partir das possibilidades interativas do público com a TV digital, multiprogramação, acessibilidade e usabilidade do controle remoto usado como miniteclado;- Fomento à produção independente, através da construção compartilhada com produtoras independentes, TVs Públicas, Ministério da Cultura, por meio da Secretaria do Audiovisual, e Agencia Nacional de Cinema (Ancine) de editais públicos específicos que considerem a vocação do campo público de televisão;- Fomento à produção cidadã, de conteúdos realizados diretamente pela sociedade, mediante a incorporação de modelos de produção audiovisual baseados na cultura colaborativa, compartilhada e participativa. Fortalecimento e abertura de espaços para a veiculação dessas produções nas TVs do campo público, além da implementação de políticas de estímulo e fomento a esses modelos de produção, nos moldes do item anterior;- realização de inventário, digitalização e disponibilização de acervos locais existentes;O II Fórum também afirma seu compromisso com:- a construção de modelos de grade de rede do campo público de televisão diferenciado do sistema comercial, que sejam flexíveis e que contemplem e valorizem, efetivamente, os conteúdos regionais;- a realização de estudo específico para a regulamentação da distribuição e do licenciamento de programas e produtos da TV Pública, no novo contexto tecnológico.Por fim, o II Fórum reafirma que o Cinema Brasileiro é um parceiro estratégico para a realização da missão do campo público de televisão e manifesta a importância de se celebrar um acordo colaborativo, por meio de bases sólidas, entre a TV Pública e o Cinema Nacional.
INSTITUTO DE COMUNICAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
O II Fórum Nacional de TVs Públicas deliberou a criação de um instituto autônomo e independente, para estudo e pesquisa da comunicação pública brasileira. E afirma que esse instituto:- coordenará o levantamento do conhecimento e experimentações produzidas pelas TVs Públicas, universidades e instituições de pesquisa;- funcionará como um ambiente de discussão permanente para a repercussão e continuidade das reflexões que buscam configurar o campo público brasileiro de televisão;- abrigará laboratórios, desenhados para refletir, pesquisar, avaliar e inovar sobre as questões centrais na construção dos modelos de comunicação desejados pelo campo público de televisão;- estabelecerá parcerias com universidades e instituições de ensino, pesquisa e produção, nacionais e internacionais.- trabalhará como agente crítico dos caminhos propostos para o campo público de televisão;- atuará no desenvolvimento de novas metodologias de análise de aferição de performance e qualidade que atendam aos princípios e objetivos para o qual a TV Pública foi criada;- colaborará no desenvolvimento de informações e ferramentas para a prestação de contas junto à sociedade e seus patrocinadores.A criação de um instituto de comunicação pública brasileira representa um importante suporte para que a TV Pública ponha-se à mostra, com consciência, sem medo de ousar. Assim, o II Fórum encarece, desde já, o apoio do Governo Federal e do Parlamento para a implementação desse instituto.Os avanços propostos pelo II Fórum Nacional de TVs Públicas revelam que o processo de construção do campo publico de televisão e de sua identidade, especialmente no contexto da tecnologia digital, é uma oportunidade histórica determinante para despertar na sociedade o sentimento de pertencimento dessa TV pelo público e do público por essa TV.
Brasília, Maio de 2009
Pregando a “livre circulação de informação” para os monopólios de mídia, a Fundação Ford tenta se imiscuir na Conferência Nacional de Comunicação, que acontecerá nos dias 1, 2 e 3 de dezembro em Brasília, inclusive ofertando recursos para a Comissão Pró-Conferência. O que a Fundação Ford pretende, mostra o jornalista Mário Jakobskind no artigo abaixo, é um novo ‘marco regulatório’ para a área midiática, sem as restrições, constantes da lei atual, à entrada dos mastodontes externos do setor
MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND*
A Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), marcada para os dias 1, 2 e 3 de dezembro, em Brasília, está sob ameaça. Em vez de se tornar um marco histórico na área midiática, como ainda esperam os movimentos sociais, poderá se transformar numa arena dominada por forças que defendem interesses econômicos poderosos. De um lado os grandes proprietários de veículos de comunicação agrupados na Associação Nacional de Jornais (ANJ) e na Associação Brasileira de Empresas de Rádio e TV, do outro a Fundação Ford (FF), que dissimulada procura de todas as formas estar presente inclusive ofertando verba para a Comissão Pro-Conferência, integrada por diversas entidades que vinham já há tempos conclamando pela realização do evento. Pior, dinheiro aceito de bom grado, mas não por unanimidade como em outras questões, por entidades representativas dos movimentos sociais.
E como se deu o avanço da FF na Confecom? Quando o governo federal decidiu reduzir em sete milhões o orçamento da Conferencia, a FF não perdeu tempo e ofereceu “generosamente”, por enquanto, 68 mil reais para a comissão organizadora.
Nos bastidores, grupos e representantes de ONGs vinham defendendo e justificando a “generosidade” da FF em financiamentos de entidades. Até mesmo alguns veteranos destacados militantes na área de comunicação vinham considerando a FF como uma espécie de “nova entidade”, ou seja, diferente da que atuava no período da Guerra Fria. Como num passe de mágica, representantes de entidades financiadas pela Fundação a apresentavam como se ela nada tivesse a ver com o passado recente em que atuava em conjunto com a CIA, conforme comprova investigação do Congresso estadunidense.
Os mais radicais ingênuos defensores da FF chegaram a afirmar que ela só manteve o nome antigo porque a mudança seria problemática e poderia até obrigá-la a sair do zero, o que acarretaria um atraso em suas atividades.
Como se isso não bastasse, entusiastas da “generosidade da nova Ford” garantem que ao financiar algumas entidades, a FF não exige nenhuma contrapartida, a não ser a prestação de contas dos gastos para os quais o dinheiro foi liberado. Tal afirmação não resiste a uma leitura mais apurada.
Neste momento, o interesse da FF na Confecom, ao contrário do que dizem os defensores da Fundação, tem um objetivo institucional pré-determinado, qual seja o de promover os valores dos Estados Unidos através da “livre circulação da informação”. A FF se coloca como defensora incondicional dos “valores democráticos” e, como afirma em sua página na Internet, tem por objetivo “levar a democracia ao mundo”, algo muito parecido com a filosofia colonialista do Ocidente no século XIX que dizia que tinha como missão “levar a civilização aos povos tribais africanos”.
E com essa filosofia, no caso específico da Confecom, a FF pretende que em um novo marco regulatório da área midiática seja permitida a entrada sem restrições dos gigantes internacionais do setor. Democracia para a FF é isso. A FF, que nunca em sua história deixou de pregar prego sem estopa, tenta assim possibilitar liberdade total para que empresários como Rupert Murdoch com a sua Fox News e outros barões internacionais da mídia, como Rupert Murdoch, tenham garantida por lei a atuação sem limites no Brasil. Mas essa filosofia precisar ficar dissimulada, pois se mostrasse o verdadeiro objetivo a Fundação não conseguiria arregimentar defensores. Como em outros tempos a FF estava com a imagem queimada, para se tornar mais palatável decidiu adotar outro tipo de estratégia, aproximando-se inclusive de entidades e ONGs com discursos progressistas. Nesse sentido, ela encontrou um caldo de cultura bastante fértil numa certa esquerda fascinada pelo neoliberalismo.
No caso da Conferência Nacional de Comunicação, embora possa não ser percebido por muitos militantes bem intencionados, o pano de fundo da FF é mesmo a redução do Estado e facilidades para a “livre concorrência” dos gigantes oligopólios internacionais. Se conseguirem, no panorama midiático do Brasil ficará ainda mais forte o esquema do pensamento único. E o País remará contra a corrente na América Latina, onde em outros países o Estado tem sido o principal propulsor do fortalecimento da mídia pública.
Por estas e muitas outras, é preciso que por aqui os movimentos sociais rediscutam a questão e se mobilizem intensamente no sentido de evitar que os barões midiáticos nacionais e internacionais se tornem os proprietários eternos dos espaços midiáticos. E afastar os tentáculos da Fundação Ford, até porque não tem sentido uma conferência que discutirá e deliberará sobre a mídia no Brasil tenha verbas de entidades estrangeiras. O Poder Público não pode se ausentar e diminuir o orçamento destinado à Confecom.
Mário Augusto Jakobskind é jornalista e escritor. Foi colaborador dos jornais alternativos Pasquim e Versus, repórter da Folha de S. Paulo (1975 a 1981) e correspondente da Rádio Centenária de Montevideo, além de editor de Internacional da Tribuna da Imprensa (1989 a 2004) e editor em português da revista cubana Prisma (1988 a 1989). Atualmente é correspondente do semanário uruguaio Brecha e membro do conselho editorial do Brasil de Fato. É autor, entre outros, dos livrosAmérica Que Não Está na Mídia (Adia, 2006), Dossiê Tim Lopes - Fantástico/Ibope(Europa, 2004), A Hora do Terceiro Mundo (Achiamê, 1982), América Latina - Histórias de Dominação e Libertação (Papirus, 1985) e Cuba - apesar do bloqueio, um repórter carioca em Cuba (Ato Editorial, 1986).