Roberta Araújo da Silva(*)
Sustentabilidade foi o tema de maior destaque nos três dias de workshops na Universidade Federal do Espírito Santo
Mais de 50 mídialivristas de várias partes do Brasil estiveram presentes no II Fórum de Mídia Livre, realizado entre os dias 4, 5 e 6 de dezembro, em Vitória, na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Além de comunicadores de variadas expressões, o evento também contou com a participação de pesquisadores do ramo e de blogueiros de grande repercussão nacional. Nessa edição, a sustentabilidade foi o item de maior destaque em todos os debates. Mas outros também se destacaram: produção, formação e direito autoral. E a palavra comprometimento, visando à democracia na comunicação brasileira, pode definir a participação de cada comunicador durante o evento.
No dia 4, o jornalista e blogueiro Luiz Nassif, e os professores de Pós-Graduação da Escola de Comunicação e do Serviço Social da UFRJ, Ivana Bentes e Giuseppe Cocco, trataram do tema “O Brasil na era pós-Mídia: dilemas e oportunidades”, na abertura do evento. Ivana disse que o cenário deste segundo Fórum é muito positivo para os midialivristas, uma vez que todos estão às vésperas da 1ª Conferência Nacional de Comunicação – a se realizar entre os dias 14 a 17 de dezembro, em Brasília – sendo esta uma grande chance de fortalecer o movimento em todo o país.
Nassif reforçou o discurso de Ivana, motivando a produção de novas mídias, afirmando que, de fato, estamos vivendo um novo momento, e que todos têm o direito de se comunicar. Segundo ele, hoje, a marca pessoal, ou seja, a forma individual de gerar a comunicação, passa a ter mais influência. “O jornalismo convencional se esqueceu de fazer jornalismo. É possível montar uma estrutura com valores individuais”, afirmou. Ele aproveitou para tecer críticas à “blindagem” que, para ele, a mídia hoje concede ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Criticou também a forma como o Instituto Verificador de Circulação (IVC) faz auditoria na distribuição das produções do Grupo Abril, e contou com detalhes toda a perseguição que sofreu da Revista Veja.
Para Nassif, o monopólio da distribuição do Grupo Abril é um dos fatores que impede o maior financiamento público aos midialivristas. Já Giuseppe Cocco discorreu sobre a autoridade da mídia livre no capitalismo contemporâneo. “O capitalismo não exclui, ele inclui por mecanismo de fragmentação, segregação. A mobilização produtiva passa por fora da questão salarial. A proposta é a produção do conhecimento”, enfatizou Cocco.
No mesmo dia, à tarde, aconteceram três Grupos de Trabalho (GT). O GT1 debateu o tema “Políticas de Financiamento da Mídia Livre”. Renato Rovai, da Revista Fórum, mediou o diálogo, e relembrou que, desse GT, no primeiro Fórum, em 2008, na UFRJ, saíram várias propostas que permitiram a criação de várias premiações, que favoreceram de lá para cá, que 84 iniciativas fossem premiadas, dentre essas, 15 receberam prêmio de R$ 120 mil do Ministério de Cultura (Minc) e 69 ganharam R$ 49 mil. Rovai e demais participantes desse GT concordam com a ideia de ampliar a política de mídia livre, o que fortaleceria a sustentabilidade. Nesse sentido, para Rovai, além do Ministério da Cultura, outros ministérios deveriam criar formas de premiações. “Por exemplo, o Ministério da Justiça poderia premiar os blogs que tratam do direito no Brasil e o Ministério do Meio Ambiente os que trabalham para preservar o meio ambiente”, defendeu.
O GT2, que contou com a liderança de Fabio Malini, que organizou o Fórum, cuidou do tema “Fazedores de Mídia Colaborativa”. Participaram deste GT, o professor de Pós-Graduação da ECO/UFRJ, Henrique Antoun, Pedro Markun (Jornal de Debates), Túlio Vianna (advogado e blogueiro), Edson Mackenzy (Videolog.com), Altino Machado (jornalista e blogueiro), João Caribe (consultor de mídias sociais e blogueiro), Alon Feuerwerker (jornalista e blogueiro), Antonio Martins (Le Monde Diplomatique), Marcelo Branco (Campus Party), entre outros. O debate no GT2 foi bastante acalorado, pois, a certa altura, faltou a definição exata para mídia livre. O que é mídia livre? E se há diferença entre mídia livre colaborativa e jornalismo cidadão. Cada um deu a sua opinião. Mas, ao final, nenhuma conclusão conseguiu definir bem a questão. A partir daí, houve um consenso que os fazedores de mídia livre colaborativa, independente da definição, são importantes porque conseguem dar voz para muitas pessoas.
Aqui, o jurista e blogueiro Túlio Vianna mediou o debate, e contou como surgiram os direitos autorais. “Direito autoral não é direito, é monopólio. Não pode existir isso na mídia livre. Mídia livre pressupõe o acesso universal. Direitos autorais não protegem o autor”, disse. Vianna, que é autor de vários livros na área do Direito, defendeu a criação de regras para o ofício de midialivristas. “A mídia livre não tem regras. Há uma certa tendência que é falha, que, por ser mídia livre, pode falar de tudo e de todos. A meu ver, precisamos de regras para que a mídia livre continue livre”. Ele disse também que vem travando um diálogo com os demais juristas do país a respeito do direito autoral, e que ainda há muita resistência para tratar do assunto.
Nesse GT, os participantes puderam conhecer a forma como alguns midialivristas estão alcançando a autosustentação. Edson Mackenzy, que gerencia um vídeolog, contou que criou uma marca e passou a vender produtos no site, ao mesmo tempo em que atua como blogueiro no mesmo espaço. “Tenho conseguido me sustentar assim há seis anos”, afirmou. Bárbara Szaniecki, da Revista Global Brasil, disse que o financiamento é algo que afeta todos os que produzem mídia livre. Para ela, um caminho útil seria o lançamento de mais editais públicos e também encontrar uma forma de conquistar as publicidades estatais.
No GT3, o debate ficou em torno do tema “Formação para Mídia Livre”. A ideia principal aqui foi criar uma rede de diálogo para definir se há necessidade de formação para os mídialivristas e como formar. Nesse debate, houve uma certa divergência de pensamentos. A proposta de, no futuro, ser aberta uma universidade para a formação de midialivristas gerou uma certa polêmica. Foi mais claro perceber a preocupação com as práticas do que a conceitualização para mídia livre. A independência do midialivrista também foi contestada. Ficou uma pergunta no ar. Será que um midialivrista perde a sua independência no momento em que é contratado por alguma empresa, ou quando recebe um convite para apresentar o seu trabalho numa grande emissora de televisão? A professora da ECO/UFRJ Ivana Bentes rebateu a preocupação e foi uma das pessoas que defendeu essa possibilidade sem discriminação. “Isso não pode ser encarado como problema. Se um midialivrista consegue um espaço no programa do Faustão, por exemplo, ou na Xuxa, não tem o menor problema. Ele não deixa de ser um midialivrista por isso. Veja o caso do MV Bill, que vai sempre ao Faustão e continua militando. Isso é uma questão muito mais moral do que tudo”, acredita a pesquisadora. Evandro Vieira Ouriques, doutor e mestre em Comunicação e Cultura e também coordenador do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência da ECO/UFRJ, foi outro pesquisador que participou desse GT.
O segundo dia do Fórum foi concentrado em dois workshops: “Juntando as Pontas dos Pontos de Mídia Livre” e “Conselhos para uma Blogosfera Política Livre”. O mediador do primeiro workshop foi o coordenador dos projetos dos Pontos de Mídia do Minc, Zonda Bez. E Luis Nassif liderou o segundo. De acordo com Nassif, o grande desafio para os blogueiros em 2010, frente à eleição, será combater as denúncias falsas. O jornalista acredita que o denuncismo vai se desgastar e os jogos baixos vão se desmoralizar. “Ano que vem, é provável que haja um número grande de jogos baixos para alcançar a reeleição. Então, qual será o papel da blogoesfera nesse cenário? Será desmontar as denúncias falsas. Será necessário combater esse mal com argumentos jornalísticos factíveis”, concluiu o blogueiro.
Altino Machado, ex-jornalista do Jornal Estado de São Paulo, veio do Acre exclusivamente para participar do Fórum. Ele contou sua experiência como jornalista e de blogueiro. Altino diz que, semanalmente, seu blog ganha de 700 a 1.800 acessos. “Para atrair leitores, é importante cuidar do blog diariamente. É necessário postar informações verdadeiras e sérias, e que foram muito bem investigadas. É a credibilidade que garante o nosso espaço”, concluiu Machado, do blog da Amazônia.
O resultado desses workshops foi apresentado no último dia do Fórum, no dia 6, quando, em plenária, todos conheceram as principais propostas surgidas tanto nos GT´s quanto nos workshops. Conheça abaixo as propostas do GT1 e do workshop “Juntando as Pontas dos Pontos de Mídia Livre”, que resultou em 23 sugestões.
Sobre Formação:
1. Levar o tema Mídia Livre para a universidade, com curso de formação e linhas de pesquisa;
2. Reivindicar das entidades de apoio à pesquisa, como CNPq e Capes, verbas para pesquisadores de fora da universidade;
3. Fazer um mapeamento de Pontos de Mídia Livre que têm vocação para formação e já poderiam atuar no sentido da formação pelas mídias e para as mídias;
4. Aprofundar o debate e formular uma proposta de regulamentação do trabalho em comunicação, cultura e mídia livre;
5. Incentivar a formação de midialivristas no âmbito da educação não-formal, para além da universidade midialivrista;
6. Criação de um Fórum específico sobre a questão da formação;
7. Incentivar a formação em Mídia Livre em outras áreas, além da comunicação, estimulando a compreensão de mundo de jovens e adolescentes e promovendo ações mídialivristas;
8. Incluir disciplina Educação para Comunicação desde a escola básica;
9. Criar e compartilhar metodologias para lidar com o déficit educacional no Brasil;
10. Criação de curso de comunicação na expansão universitária pública;
11. Cartografar, articular e difundir uma rede de formação midialivrista;
12. Lançar editais específicos para iniciativas de formação no âmbito dos Pontos de Cultura e demais iniciativas;
13. Garantir a mobilidade de produtores de mídia livre como estratégia de formação midialivrista;
Sobre descentralização de políticas públicas:
14. Articular proposta de edital de Pontos de Mídia Livre às Secretarias de Cultura nos estados e municípios;
15. Incentivar o desenvolvimento de pontos de mídia livre em regiões com menor concentração dessas iniciativas;
16. Ampliar a difusão da informação sobre políticas públicas em regiões com menor concentração de Pontos de Mídia Livre;
17. Implementar Pontos de Mídia Livre como parte de uma política pública de Estado;
18. Fazer com que estados e municípios assumam de forma gradativa o financiamento às ações de Pontos de Mídia Livre e Pontos de Cultura, mantendo a corresponsabilidade entre as esferas de governo;
Sobre sustentabilidade:
19. Aplicar práticas de Economia Solidária à rede midialivrista;
20. Integrar a rede de Mídias Livres com o movimento de Economia Solidária;
21. Criar um fundo público de apoio à comunicação e à cultura com controle social e participação democrática;
22. Criar uma rede de todos os midialivristas no site do Fórum de Mídia Livre;
23. Formular uma proposta de regulamentação dos direitos sociais dos trabalhadores vinculados a atividades de produção imaterial.
O GT2, que tratou do tema “Fazedores de Mídia Colaborativa” decidiu pelas seguintes propostas:
1. Produção de trabalhos que possam conceitualizar as práticas de mídia livre, através de um lançamento de site, revista ou livros e etc.;
2. Investigar a metodologia de trabalho e das práticas de Mídia Livre no Brasil;
3. Articular a construção de mecanismos de financiamentos públicos e privados para os mídialivristas no Brasil, a partir da criação de fundos, editais e parcerias;
4. Articular a capacidade de conexão dos produtores de mídia livre.
O GT 3 “Formação para Mídia Livre” definiu três propostas em conjunto com os debate do workshop “Conselhos para uma Blogosfera Política Livre”:
1. Reconhecer as lan-houses como espaço de acesso à informação, criando políticas públicas para esses espaços;
2. Continuação dos trabalhos de discussão sobre o tema após o Fórum;
3. Criação de uma rede de proteção para a blogoesfera.
Em relação a este último item, a Ordem dos Advogados de Vitória já se colocou à disposição para defender. Sobre esse mesmo item, quando foi divulgado em plenária, uma grande celeuma surgiu. Os integrantes das rádios comunitárias, incluindo o pessoal da Rede Abraço, que esteve presente em maior quantidade no Fórum, acharam melhor corrigir a redação, inserindo as rádios comunitárias e livres. Eles trouxeram à tona o histórico de repressão que muitos profissionais sofreram para realizar rádios livres e comunitárias, o que já chegou a causar a morte de alguns realizadores. Com isso, a proposta mudou para a criação de uma rede de proteção aos blogueiros e às rádios comunitárias e livres.
Muitos mídialivristas presentes no evento serão delegados na 1ª Confecom. Para a Conferência, foram definidas as seguintes estratégias de ação, defesa e postura:
- Apoio à criação de “Escolas Livres de Comunicação”;
- Apoio à desburocratização das concessões das rádios comunitárias, do aumento do número de canais destinados às emissoras comunitárias e ainda o aumento da potência de 250 watts;
- Fim do poder discricionário da Anatel;
- Criminalizar o “jabá” na Música Popular Brasileira. Que rádios que praticam o “jabá” percam a outorga;
- Bens culturais que são produzidos com financiamento público ganham licença para copyright;
- Universalização da Banda Larga grátis;
- Defesa do espectro livre como bem ambiental;
- Reparação das vítimas de repressão à radiodifusão comunitária;
- Quebra do monopólio das grandes emissoras privadas;
- Democratização da verba pública e das propagandas oficiais;
- Novo marco regulatório para a radiodifusão.
Até fevereiro de 2010, cerca de 19 organizações farão parte de um conselho consultivo, e que se encontrarão em Vitória, para definir a comissão organizadora do III Fórum de Mídia Livre.
(*) Roberta Araújo da Silva (rasimprensa@gmail.com) é jornalista e representou a TV Comunitária do Rio de Janeiro, escolhida Ponto de Mídia Livre em 2009, no II Fórum de Mídia Livre.
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