No dia 21 de abril, além de ser o aniversário de Brasília, agora cinquentona, é também o dia de Tiradentes - rebelde que poderia ter sido o nosso Bolívar - e também o dia em que morre Tancredo Neves, sobre o qual ainda se está revelando muita informação importante, mas, especialmente porque sobre ele ainda são necessárias muitas releituras políticas úteis para hoje. Além de homenagens sinceras ao seu nacionalismo e antiimperialismo, quase sempre esquecidos por alguns que o querem homenagear, vale constatar a atualidade e a necessidade destas qualidades daquele mineiro. Se exercidas na presidência, teriam permitido a ele revelar-se por inteiro como grande estadista que foi. Mas, quando Dilma Roussef, em visita a São João Del Rei, leva flores para ao túmulo de Tancredo, faz florescer um debate ainda inconcluso sobre táticas e alianças, especialmente no interior do PT. O artigo é de Beto Almeida
Na madrugada dramática de 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas reúne seu ministério a poucas horas de dar um tiro no coração. O estampido ecoa até hoje na história brasileira. Principalmente, na luta por uma plena e verdadeira soberania nacional, pelo controle nacional de nossas riquezas, pela independência energética, pela superação da dependência tecnológica. Cada vez que se pronuncia a palavra Petrobrás dever-se-ia escutar um tiro disparado contra o coração de um brasileiro.
Morrer por uma grande causa
Naquela reunião, antes do tiro, uma voz corajosa se ouviu em defesa dos interesses nacionais, da democracia, das conquistas daquele governo democrático e nacionalista, entre elas a Petrobrás. Era Tancredo Neves, jovem ministro da justiça de Vargas, propondo ao presidente a resistência, se necessário armada. Diante de generais claudicantes que rastejavam ante o golpe organizado pelo poder imperial estrangeiro, Tancredo levantava um novo brado de Tiradentes. “Presidente, organizemos a resistência militar, prendamos os golpistas, convoquemos o povo!”, clamava. O ministro militar de Vargas já se comportava como um derrotado. Prostrou-se. Tancredo insistia: “General, poucas vezes na vida a história nos oferece a oportunidade de viver ou morrer por uma grande causa. Não a desperdicemos!!”.(1)
Esse comportamento de um bravo foi considerado quando anos mais tarde os golpistas de sempre tentaram estimular alas militares a impedir que Tancredo vencesse a eleição presidencial no Colégio Eleitoral, pela via indireta. Isto foi revelado recentemente em assustadora entrevista do general Newton Cruz. Afirmou que houve até mesmo planos para assassinar Tancredo. Certamente, os golpistas que sempre atuam em nome dos interesses externos não perdoavam aquela convocação para unir militares e povo em defesa da democracia e dos interesses nacionais. Sejam quais fossem as conseqüências. Possivelmente se o chamado de Tancredo tivesse sido atendido, as massas furiosas que saíram às ruas após o anúncio da morte de Vargas teriam saído antes do tiro no coração. E o curso da história poderia ter sido outro, não se sabe. Nas ruas, as massas identificaram imediatamente os responsáveis pelo golpe: cercaram e quebraram a representação diplomática dos EUA, e as sedes dos jornais O Globo, Tribuna da Imprensa. Até mesmo o jornal Tribuna Popular, dos comunistas, sofreu com a fúria popular, pois na edição daquele dia 24 de agosto Prestes pedia nada mais nada menos que a renúncia de Vargas. O jornal foi recolhido pelos próprios comunistas, temendo maiores prejuízos.....O significado disto tem muita importância para as releituras políticas que estão sendo feitas sobre a história do Brasil.
Tancredo ia reatar com Cuba
Tancredo comparou o golpe contra Vargas ao golpe sangrento desfechado contra Salvador Allende como descreve em seu excelente livro “A Era Vargas”, o tarimbado jornalista José Augusto Ribeiro. Pelo mesmo jornalista, em depoimento ao programa “Brasil Nação” da TVE do Paraná, soube-se de outras duas marcantes atitudes de Tancredo. A primeira quando, já presidente eleito, viaja para o mundo e nos EUA, após entrevista como o presidente Reagan, declara que o Brasil não aceitará uma intervenção militar norte-americana na Nicarágua Sandinista. A repercussão foi tremenda. Até porque a declaração de Tancredo chegou aos ouvidos de Fidel Castro que naquele momento falava exatamente contra possíveis agressões a Nicarágua. Lendo Tancredo, o líder cubano emendou: “ Invadir a Nicarágua é fácil, quero ver invadir o Brasil”. A segunda atitude foi quando Tancredo, sem fazer estardalhaço de seus gestos, reclamou dos jornalistas perguntarem insistentemente se reataria relações com Cuba, mas nunca perguntarem porque determinou o fechamento da base militar dos EUA no arquipélago de Fernando de Noronha, quando era primeiro-ministro, no breve período do parlamentarismo no Brasil. Embora reatar com Cuba já estivesse definido, declarar isto antes de tomar posse e consolidar o governo era o que mais queria a direitona. Por isto a insistência dos jornalistas, especialmente de seus patrões... Pouco mais de um depois da morte de Tancredo, em julho de 86, Sarney reata relações com Cuba rompidas após o golpe de 64.
Há um conjunto de gestos de Tancredo ao longo de sua história que o levaram a ser odiado pelos golpistas. Desde a sua solidariedade radical e incondicional ao Vargas e as conquistas daquele governo - muitas delas ferramentas ainda hoje responsáveis por não termos pago um preço mais amargo pela crise capitalista atual, em razão dos bancos públicos, o BNDES e também a Petrobrás - até o seu famoso alerta “ Não pagaremos a dívida externa com a fome do povo brasileiro!” em Tancredo encontramos ensinamentos sobre como atuar nas situações adversas, sobre como reunir o máximo de unidade forças possível para fazer avançar o processo possível para cada etapa da história. É exatamente por isso que tem importância tanto quando a pré-candidata Dilma leva flores para Tancredo, como também quando os partidários do pré-candidato José Serra, reagem alegando usurpação de memória história ou algo no gênero. São temas para um bom debate.
Lula também havia falado poucas e boas de Vargas. “Pai dos pobres, mas mãe dos ricos” era uma delas. Mas isso foi antes de ser presidente. Hoje - quem sabe graças à pedagogia do exercício do cargo - Lula reconhece em Vargas o maior presidente que o Brasil já teve, dito por ele. E ainda lembra sempre que muitos dos órgãos de imprensa que o atacam agora e que atacam a Petrobrás, atacaram Vargas e até chegaram veicular a desinformação patética de que no Brasil não haveria petróleo, portanto, que seria uma loucura criar uma Petrobrás. Vale lembrar: Lula criou por decreto a Semana Vargas, para que o povo brasileiro conheça cada vez mais o presidente nacionalista, disse.
Jesus e Judas
Recentemente, Lula disse que até Jesus Cristo teria que conversar com Judas se quisesse governar o Brasil. Disse que levou muito tempo para fazer o PT compreender que precisava fazer alianças, até que conseguiu provar sua tese tendo como vice-presidente um empresário nacionalista do porte de José Alencar, que sensibiliza o país com sua determinação, seu amor ao país, à vida, mas também com sua cruzada contra os juros espoliadores da produção. Lula disse que sentia-se indo para o matadouro a cada eleição em que não podia fazer uma política de alianças, ampliando sua base de apoio. E agora diz curto e grosso para Mercadante: o PT tem que arrumar o seu “José Alencar” em São Paulo se não quiser apenas marcar posição eleitoral, muito embora significativa.
O que tudo isto tem a ver com as flores de Dilma para Tancredo? Para o exercício do poder sem maioria parlamentar Lula e parte do PT foram compreendendo era preciso ter uma aliança ampla, muitas vezes com forças contraditórias, desde que permitissem levar adiante um projeto. Ora, não é um ensinamento cristalino de Tancredo?
Travessia no nevoeiro
No Colégio Eleitoral, em que o PT rejeitou a aliança com o Tancredo, em razão do voto indireto, havia sim a possibilidade de fazer avançar determinados pontos programáticos importantes para o povo brasileiro. Entre eles o reatamento com Cuba, o MERCOSUL, a legalização dos partidos de esquerda, o reconhecimento das centrais sindicais, o fim da censura, a criação do Ministério da Reforma Agrária. Não é tudo isto legado de Tancredo? Tendo sido a emenda das Diretas-Já derrotada, e sem forças próprias e sem maioria para impor uma saída própria, mesmo assim o PT rejeitou a tática de Tancredo que era a do “velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar”. Havia até mesmo algo de purismo na argumentação petista de então. O senador Lauro Campos foi o mais votado para as eleições ao Senado no DF em 86. Mas, como o PT não aceitava o uso da sublegenda, o PMDB ficou com todas as vagas. “A sublegenda é instrumento espúrio” dizia o PT. Mas, e o conjunto da lei eleitoral advinda da ditadura, não era? Só a sublegenda o era? Não se recordava que o próprio Lênin não teve dúvidas de levar os bolcheviques a participar da Duma, Parlamento do Czar, para fazer avançar a revolução. E agora vemos o PT participar da eleição indireta no DF, inclusive lançando candidato ao Palácio Buriti. Naquele momento, quando a ditadura ainda não havia sido desorganizada, quando as forças progressistas ainda não possuíam força suficiente para ar uma saída própria, as relações de força ainda não eram tão favoráveis, Tancredo simbolizava uma Travessia no nevoeiro, sendo, portanto, muito justa e correta a tática de manter a unidade do campo democrático, garantindo avanços transitórios porém decisivos. Agora, com as forças progressistas com ampla representação, inclusive tendo logrado fazer um presidente como Lula, mesmo assim, ainda é necessária uma tática de acumular forças para conquistar as medidas mais urgentes e inadiáveis para as amplas massas mais penalizadas. Nota-se um processo de reajuste, de releitura, de reconsideração no interior do PT?
Não se sabe com que profundidade o gesto de Dilma de levar flores para Tancredo, em sintonia com tantas declarações de Lula questionando certos traços de sectarismo petista, estão sendo debatidos no interior do Partido. Pelo documento aprovado no mais recente congresso partidário - no qual José Alencar foi homenageado com cargo honorífico - percebe-se que algo do exclusivismo, da auto-suficiência ou sectarismo de tempos atrás já teria sido superado. O teste sobre a profundidade desta mudança de orientação política será realizado na composição das alianças nacionais e regionais para o próximo pleito.
Qual Tancredo?
De outro lado, o protesto dos seguidores da pré-candidatura José Serra contra a oferenda floral de Dilma cheia de recados para dentro e para fora do PT, carece de melhor compreensão. Quando homenageiam Tancredo estariam excluindo da lista de qualidades do mineiro sua lealdade à Era Vargas que Fernando Henrique Cardoso buscou destruir? Seria possível homenagear Tancredo e ao mesmo tempo recusar ou esconder suas posturas fortemente antiimperialistas seja fechando uma base militar norte-americana no Brasil, seja rebelando-se na frente de Reagan contra a ameaça de uma possível agressão militar dos EUA à Nicarágua naquele momento. Será possível homenagear Tancredo sem ressaltar que o mineiro era defensor da CLT - sempre alvo de ataques da patronal - e das demais conquistas que a Era Vargas legou ao nosso povo, como a Petrobrás, o início do Programa Nuclear Brasileiro, a Eletrobrás, mais tarde confirmada no governo Jango, o salário mínimo hoje re-valorizado?
Talvez a campanha eleitoral seja pródiga em respostas para tantas questões que as flores a Tancredo levantam neste 25 aniversário da morte do mineiro. A superação de sectarismo do passado e a capacidade de construir alianças permitiram levar Lula e Alencar ao governo, não se cansa de lembrar o presidente.. Mas, haverá continuidade nesta tática de ampliar as bases de apoio, com as concessões feitas onde necessário para avançar nos centros mais decisivos, especialmente mantendo o PT no Planalto? Haverá a tática necessária para fazer com que os empresários que se dizem felizes com Lula mas anunciam voto em Serra revejam esta posição? E do outro lado, haverá a possibilidade de ter Tancredo como símbolo exclusivo da uma determinada campanha política hoje, mesmo tendo sido o mineiro portador de tantas mensagens fundamentais para a nossa história, sempre contra as sombrias forças golpistas das décadas de 50, de 60, e também de 80?
Beto Almeida, jornalista
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