quarta-feira, 26 de agosto de 2009

NOTA DA ABCCOM

A ABCCOM entende que a realização da 1ª CONFECOM representa uma possibilidade transformadora extraordinária na luta pela democratização das comunicações no País.

A Associação Brasileira dos Canais Comunitários – ABCCOM, única entidade nacional representativa dos canais comunitários surgidos a partir da Lei nº 8.977, conhecida como “lei do cabo”, de 6 de janeiro de 1995, vem a público esclarecer sua posição apresentada em reuniões nos dias 11 e 17/8/09 com os ministros de Estado envolvidos na realização da 1ª CONFECOM - Conferência Nacional de Comunicação e convocar a todas as forças do campo popular e o próprio Governo a debater a complexa conjuntura em que está sendo realizado o processo de construção da Confecom.

Para a ABCCOM a realização em si da 1ª CONFECOM representa uma verdadeira transformação na luta pela democratização dos meios de comunicação no Brasil. É impossível alcançar qualquer avanço significativo na vida social sem que antes a sociedade se envolva com as discussões e debate em torno do assunto que se queira avançar. Sempre foi assim na história recente: o plebiscito do presidencialismo versus monarquia e a Campanha das Diretas-Já são apenas alguns desses momentos. Não será diferente com a discussão do tema comunicação social. A introdução desse tema na agenda pública das discussões nacionais já é uma revolução, em todos os sentidos que se possa analisar. Esse assunto é tão emblemático e por isso sempre esteve envolto num manto de silêncio e proibição que arriscamos a dizer, quaisquer que sejam as conclusões da 1ª CONFECOM, a vida republicana já não será a mesma após a sua realização. Dizemos mais, não há possibilidade da conferência não representar uma mudança de qualidade nos rumos da comunicação no País. Para se ter uma idéia da excepcional importância da 1ª CONFECOM basta dizer que foram necessários que dezessete presidentes passassem pelo poder da república e sessenta e oito anos nos separassem da primeira conferência nacional de saúde (1941 – governo Vargas) para que se abrisse a oportunidade de discussão da comunicação social. Foi necessário que um retirante nordestino chegasse à Presidência da República para que esse tema fosse alçado a sua dimensão de destaque. O presidente Luis Inácio Lula da Silva sofreu na pele as conseqüências das restrições ao debate da comunicação e sabe muito bem da urgência de se praticar os preceitos constitucionais esculpidos nos quatro artigos do capitulo V sobre comunicação social da Carta Magna de 1988, a Constituição Cidadã.

A Constituição em seu artigo 223 afirma que compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Historicamente, as realizações mais significativas e avançadas em comunicação foram desenvolvidas no campo público: Rádio Nacional, Rádio Roquete Pinto, Rádio MEC, Rádio Mauá –A Emissora do Trabalhador, A Voz do Brasil, Embratel, Embrafilme, Telebrás, Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), RTVI, EBC, etc., e agora que chegamos à era da convergência digital não será diferente. Sempre houve sabotagem contra estas experiências, tramadas pelo poder econômico aliado à oligarquia midiática e o resultado foi à imposição ao País da hegemonia da comunicação privada.

Todos sabemos que as conquistas sociais guardam uma relação com os graus de consciência coletiva alcançados em cada etapa histórica. Os cientistas políticos chamam isso de correlação de forças. Cada conquista só é possível se for alcançada a sua correspondente correlação de forças no seio da sociedade. Não adianta fugir dessa verdade. Muita energia social já foi desperdiçada por se tropeçar no entendimento dessa questão.
Algumas brechas foram abertas com a ‘lei do cabo’, permitindo o surgimento das tvs legislativas, da tv justiça e principalmente, das tvs comunitárias e universitárias, muito embora, contraditoriamente, a cabodifusão resultou em forte desnacionalização da tv brasileira. Confinadas no segmento de tv paga, no ‘cabo’, proibidas de veicular publicidade e sem amparo financeiro no orçamento público, as tvs comunitárias para sobreviver ‘comeram o pão que o diabo amassou’. Mas resistem e se multiplicam.
Agora queremos propor à sociedade a reorganização da comunicação brasileira, a partir da gradativa expansão, consolidação e qualificação da comunicação pública, superando o desequilíbrio que beneficiou, até hoje, a comunicação privada, sempre com o apoio de recursos públicos. A partir da ‘lei do cabo’ e do surgimento do sistema digital de radiodifusão percebe-se mais claramente a importância da comunicação pública e se identifica o quão ela está comprimida se comparada à comunicação privada. E mais, que esta situação fere sobremaneira o princípio da complementaridade inscrito na Constituição Federal. Parece-nos que entendimentos diversos a respeito dessa questão estão na origem dos desencontros no campo popular em relação à posição da ABCCOM. Que só podem ser superados pelo debate democrático de toda a sociedade, incluindo o governo apoiado pelos movimentos sociais.

Para avançar na luta pela democratização do acesso aos meios de comunicação - no campo da radiodifusão - é possível, grosso modo, identificar dois caminhos: um seria o de redefinir a situação das atuais concessões aplicando os princípios do artigo 221, o que implicaria num reposicionamento radical dos atuais detentores das concessões e, como conseqüência, uma luta titânica dentro do Congresso Nacional de difícil e improvável definição a favor do campo popular hoje. Quando o tema é a comunicação social a correlação de forças hoje é bem desigual, bem desfavorável. Como alerta, serve as derrotas da luta do diploma feita pela Fenaj, a desativação do Conselho de Comunicação Social, a derrota da Ancinav e a desnacionalização do audiovisual brasileiro, agravando o desemprego, o desmonte e a ocupação internacional, sem que tenha sido organizada reação de peso por parte das forças populares. Também deve servir de reflexão que o movimento social com maior capacidade de mobilização e iniciativas hoje no Brasil, o MST, apesar de toda sua incessante luta, ocupação de sedes estaduais do Incra periodicamente, ocupações de terra, não tem conseguido com isto alterar a relação de forças e mudar a conjuntura agrária, a reforma agrária encontra-se com dificuldades para avançar, mesmo tendo no Governo Lula um grande aliado, como indicam as recentes medidas na área. Do mesmo modo, os que fazem uma avaliação auto-suficiente de suas forças para a Confecom, devem também avaliar que toda a mobilização e fortalecimento das centrais sindicais, não têm conseguido impedir o desemprego em massa de trabalhadores, como os 4.200 funcionários da Embraer demitidos inapelavelmente, os milhares da Vale entre outros exemplos. Temos visto, que mesmo nos países onde a correlação de forças conquistada pelos segmentos populares é mais favorável (Venezuela, Equador, Bolívia) o quanto está sendo difícil realizar mudanças na área da comunicação social dominada secularmente pelas oligarquias. Também nestes países, sequer foram convocadas conferências de comunicação e as mudanças efetivadas, estão muito longe de significar a derrota definitiva da oligarquia midiática, apoiada sempre pelo capital externo desestabilizador e golpista.

Ainda não estão presentes as condições políticas para uma Conferência do tipo "tudo ou nada", para um “ajuste final de contas”, sendo que a heterogênea composição da base de apoio ao governo Lula, recomenda cautela numa radicalização que poderá ser apenas retórica, sem bases reais de mobilização social. Devemos sim, lutar para que a Confecom tenha sim a melhor representatividade possível, no limite da manutenção da estratégica aliança com o governo Lula e no limite do reconhecimento da rarefeita capacidade de mobilização social para a agenda da comunicação.

O outro caminho - baseado na relação de forças reais hoje - seria fazer da 1ª CONFECOM, um instrumento da eliminação gradual das disparidades entre o sistema de comunicação privado e público. Aplicando uma certa moratória nas novas concessões do setor privado, criando um redutor, como por exemplo, para cada dez (10) concessões, oito (8) seriam para a comunicação pública e duas (2) para a comunicação provada. No campo do financiamento, repartir com a comunicação pública o bolo publicitário dos governos federal estadual e municipal, hoje quase que monopolizado pela comunicação privada. Reinserir o poder público nos controles sobre mecanismos tecnológicos para a implantação da tv digital, universalização da Internet, controle de satélite, etc..., por meio da recuperação da Embratel e da Telebrás, já indicado pelo próprio governo, o que deve ser apoiado sem vacilações. De certo modo, ao garantir para as emissoras públicas o direito a multiprogramação da tv digital o governo já aponta para um reequilíbrio entre os setores público, estatal e privado. Além de retomar a ideia de criação da Rede de TVS Institucionais abrangendo todo o território nacional, regionalizando a produção, municipalizando também a radiodifusão comunitária, iniciativa que o governo Lula teve que abandonar em 2004 face à conjuntura da época e também à falta de apoio de segmentos do campo popular que hoje se inclinam a uma reivindicação de uma conferência tipo "tudo ou nada". Esse segundo caminho geraria muito menos conflito para a sua aprovação no Congresso Nacional e parte significativa dele não depende de decisões legislativas, estando afeitas à esfera do executivo federal, como a RTVI, cujo decreto presidencial pode ser retomado, se houver apoio decidido dos movimentos sociais, das prefeituras e das câmaras municipais, além de outros setores.

Os canais comunitários que estão na produção da comunicação, fazendo tv e rádio, sabem como é difícil manter uma rádio, manter uma tv comunitária por anos a fio sem apoio, sem saber se terão como pagar a conta de luz no final do mês, se poderão comprar a lâmpada do pau-de-luz que custa por volta de cento e vinte reais, como evitar o corte do telefone, não podem perder essa oportunidade histórica de alavancar de vez a comunicação pública no País e começar a pagar a dívida comunicacional com o nosso sofrido povo.
O governo Lula para avançar nas conquistas sociais tem se esforçado para preservar uma coligação de partidos e tem sido alvo de um bombardeio diário. A atual conjuntura política permite sim avanços concretos desde que a tática de aliança do campo popular e de segmentos não-oligopolistas do empresariado com o governo seja corretamente adotada.

É dentro dessa lógica que deve ser vista e analisada a posição da ABCCOM. Defendemos com clareza que a aliança do campo popular é com a comunicação pública. O que está maduro na luta política e possível de dar fruto como resultado de todos esses anos de luta pelo rompimento do déficit informacional existente no Brasil é criar a mais ampla rede nacional de comunicação pública consubstanciada na EBC. Trazer para o sinal aberto digital os canais universitários e comunitários hoje confinados na tv por assinatura. Descriminalizar as rádios comunitárias. Criar um fundo público para financiar a implantação da rede nacional pública e dar suporte as rádios e tvs comunitárias, dentre outras proposições que serão apresentadas na conferência nacional. É por aí, que passam os atuais possíveis avanços na luta pela democratização dos meios de comunicação no País no entender da ABCCOM.

Devemos fortalecer, sem sombra de dúvidas, a aliança do campo popular com o governo Lula, inclusive para fazer frente às inevitáveis investidas desestabilizadoras da oligarquia midiática internacional e de seus tentáculos no coronelismo eletrônico nacional contra a realização da Confecom.

Brasília, 24 de agosto de 2009.

ABCCOM - Associação Brasileira de Canais Comunitários
Edivaldo Amorim Farias - Presidente

Nenhum comentário: