quarta-feira, 1 de julho de 2009

Fundação Ford pensa que engana

Pregando a “livre circulação de informação” para os monopólios de mídia, a Fundação Ford tenta se imiscuir na Conferência Nacional de Comunicação, que acontecerá nos dias 1, 2 e 3 de dezembro em Brasília, inclusive ofertando recursos para a Comissão Pró-Conferência. O que a Fundação Ford pretende, mostra o jornalista Mário Jakobskind no artigo abaixo, é um novo ‘marco regulatório’ para a área midiática, sem as restrições, constantes da lei atual, à entrada dos mastodontes externos do setor

MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND*

A Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), marcada para os dias 1, 2 e 3 de dezembro, em Brasília, está sob ameaça. Em vez de se tornar um marco histórico na área midiática, como ainda esperam os movimentos sociais, poderá se transformar numa arena dominada por forças que defendem interesses econômicos poderosos. De um lado os grandes proprietários de veículos de comunicação agrupados na Associação Nacional de Jornais (ANJ) e na Associação Brasileira de Empresas de Rádio e TV, do outro a Fundação Ford (FF), que dissimulada procura de todas as formas estar presente inclusive ofertando verba para a Comissão Pro-Conferência, integrada por diversas entidades que vinham já há tempos conclamando pela realização do evento. Pior, dinheiro aceito de bom grado, mas não por unanimidade como em outras questões, por entidades representativas dos movimentos sociais.

E como se deu o avanço da FF na Confecom? Quando o governo federal decidiu reduzir em sete milhões o orçamento da Conferencia, a FF não perdeu tempo e ofereceu “generosamente”, por enquanto, 68 mil reais para a comissão organizadora.

Nos bastidores, grupos e representantes de ONGs vinham defendendo e justificando a “generosidade” da FF em financiamentos de entidades. Até mesmo alguns veteranos destacados militantes na área de comunicação vinham considerando a FF como uma espécie de “nova entidade”, ou seja, diferente da que atuava no período da Guerra Fria. Como num passe de mágica, representantes de entidades financiadas pela Fundação a apresentavam como se ela nada tivesse a ver com o passado recente em que atuava em conjunto com a CIA, conforme comprova investigação do Congresso estadunidense.

Os mais radicais ingênuos defensores da FF chegaram a afirmar que ela só manteve o nome antigo porque a mudança seria problemática e poderia até obrigá-la a sair do zero, o que acarretaria um atraso em suas atividades.

Como se isso não bastasse, entusiastas da “generosidade da nova Ford” garantem que ao financiar algumas entidades, a FF não exige nenhuma contrapartida, a não ser a prestação de contas dos gastos para os quais o dinheiro foi liberado. Tal afirmação não resiste a uma leitura mais apurada.

Neste momento, o interesse da FF na Confecom, ao contrário do que dizem os defensores da Fundação, tem um objetivo institucional pré-determinado, qual seja o de promover os valores dos Estados Unidos através da “livre circulação da informação”. A FF se coloca como defensora incondicional dos “valores democráticos” e, como afirma em sua página na Internet, tem por objetivo “levar a democracia ao mundo”, algo muito parecido com a filosofia colonialista do Ocidente no século XIX que dizia que tinha como missão “levar a civilização aos povos tribais africanos”.

E com essa filosofia, no caso específico da Confecom, a FF pretende que em um novo marco regulatório da área midiática seja permitida a entrada sem restrições dos gigantes internacionais do setor. Democracia para a FF é isso. A FF, que nunca em sua história deixou de pregar prego sem estopa, tenta assim possibilitar liberdade total para que empresários como Rupert Murdoch com a sua Fox News e outros barões internacionais da mídia, como Rupert Murdoch, tenham garantida por lei a atuação sem limites no Brasil. Mas essa filosofia precisar ficar dissimulada, pois se mostrasse o verdadeiro objetivo a Fundação não conseguiria arregimentar defensores. Como em outros tempos a FF estava com a imagem queimada, para se tornar mais palatável decidiu adotar outro tipo de estratégia, aproximando-se inclusive de entidades e ONGs com discursos progressistas. Nesse sentido, ela encontrou um caldo de cultura bastante fértil numa certa esquerda fascinada pelo neoliberalismo.

No caso da Conferência Nacional de Comunicação, embora possa não ser percebido por muitos militantes bem intencionados, o pano de fundo da FF é mesmo a redução do Estado e facilidades para a “livre concorrência” dos gigantes oligopólios internacionais. Se conseguirem, no panorama midiático do Brasil ficará ainda mais forte o esquema do pensamento único. E o País remará contra a corrente na América Latina, onde em outros países o Estado tem sido o principal propulsor do fortalecimento da mídia pública.

Por estas e muitas outras, é preciso que por aqui os movimentos sociais rediscutam a questão e se mobilizem intensamente no sentido de evitar que os barões midiáticos nacionais e internacionais se tornem os proprietários eternos dos espaços midiáticos. E afastar os tentáculos da Fundação Ford, até porque não tem sentido uma conferência que discutirá e deliberará sobre a mídia no Brasil tenha verbas de entidades estrangeiras. O Poder Público não pode se ausentar e diminuir o orçamento destinado à Confecom.

Mário Augusto Jakobskind é jornalista e escritor. Foi colaborador dos jornais alternativos Pasquim e Versus, repórter da Folha de S. Paulo (1975 a 1981) e correspondente da Rádio Centenária de Montevideo, além de editor de Internacional da Tribuna da Imprensa (1989 a 2004) e editor em português da revista cubana Prisma (1988 a 1989). Atualmente é correspondente do semanário uruguaio Brecha e membro do conselho editorial do Brasil de Fato. É autor, entre outros, dos livrosAmérica Que Não Está na Mídia (Adia, 2006), Dossiê Tim Lopes - Fantástico/Ibope(Europa, 2004), A Hora do Terceiro Mundo (Achiamê, 1982), América Latina - Histórias de Dominação e Libertação (Papirus, 1985) e Cuba - apesar do bloqueio, um repórter carioca em Cuba (Ato Editorial, 1986).

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