PAUL LABARIQUE*
“O ‘soft power’ é a capacidade de obter o que se quer seduzindo e persuadindo aos demais para que adotem nossos objetivos. Se diferencia do ‘hard power’, que é a capacidade de utilizar as cenouras e os garrotes da potência econômica e militar para que os demais se submetam à nossa vontade”. Joseph S, Nye Jr., International Herald Tribune, 10 de janeiro de 2003.
Ao sair parcialmente à luz as relações entre a Fundação Ford e a CIA durante o escândalo ligado ao financiamento do Congresso pela Liberdade da Cultura, a Ford se viu obrigada, nos anos 80, a mudar de estratégia.
Se durante a guerra fria servia de cobertura à CIA, a Ford se orientou durante os últimos 20 anos para o exercício do soft power.
A EQUIPE
Se durante a guerra fria os quadros da Ford e os da CIA eram intercambiáveis, os administradores e diretores da Fundação se recrutam hoje nos meios chamados “liberais de esquerda” que esperam difundir o modelo da “democracia de mercado”. Claro, estes “liberais” não são defensores da liberdade, mas da desregulamentação e a democracia não se baseia no mercado. Porém, se tais conceitos não fossem ambíguos não seria necessário tanto dinheiro para promovê-los.
A presidente da Fundação é Susan Berresford, membro do comitê executivo do Chase Manhattan Bank. Ela ocupa também um posto no comitê norte-americano da Comissão Trilateral de David Rockefeller, junto a Zbigniew Brzezinski e Madeleine Albright. Também é membro do Council on Foreign Relations (CFR), que recebeu uma doação de 100.000 dólares “para o desenvolvimento de uma Council Task Force sobre o terrorismo”.
O CFR elabora sínteses de consenso no seio da alta sociedade de Washington que se impõem depois como política exterior dos Estados Unidos. Assim, em setembro de 2002 se podia ver no site do CFR uma publicidade sobre um “novo livro do Council” na qual se podia ler: “a invasão é a única opção realista para desfazer-se da ameaça iraquiana - afirma Kenneth Pollack no livro The Threatening Storm”.
O Conselho de Administração da Fundação inclui dois ex-presidentes da Xerox, o presidente da ALCOA, um vice-presidente executivo da Coca Cola, o presidente da Levi-Strauss & Co., o presidente da Reuters Holdings, um sócio principal da firma de lobby Akin, Gump, Straus, Hauser & Feld e o presidente do Vassar College.
Outras firmas estiveram representadas nessa instância entre finais dos anos 1990 e os anos 2000: Time Warner, Chase Manhattan Bank, Ryder Systems, CBS, AT&T, Adolph Coors Company, Dayton-Hudson, o Bank of England, J. P. Morgan, Marine Midland Bank, Southern California Edison, KRCX Radio, The Central Gas & Corp. DuPont, Citicorp e a New York Stock Exchange [a Bolsa de Nova Iorque]. Deval Laurdine Patrick, vice-presidente da Texaco Inc., era ainda membro faz pouco tempo e os amigos de George W. Bush têm vários lugares reservados.
Afsaneh Mashayethi Beschloss, ex-dirigente do Banco Mundial e uma das principais conselheiras do Carlyle Group para assuntos de investimentos, também ocupa um posto no Conselho de Administração. Ela é a esposa de Michael Beschloss, o historiador presidencial do mandato de George W. Bush.
O Conselho de sócios do comitê para a educação, meios de difusão, arte e cultura da Fundação Ford incluía, em fins dos anos 90, o presidente do Vassar College, o presidente da Reuters Holdings PLC, o ex-presidente e diretor geral da Xerox e Vernon Jordan, muito próximo ao ex-presidente norte-americano Bill Clinton. A vice-presidente para meios de difusão da Fundação Ford é Alison Bernstein.
A DIPLOMACIA PRÓ-AMERICANA
A luta atual da Fundação Ford não tem já nada a ver com o perigo comunista. Agora se trata de formar os futuros dirigentes do mundo inteiro para fazê-los compatíveis com o pensamento econômico dos Estados Unidos e garantir que os que se oponham à hegemonia norte-americana não levem sua retórica além dos simples epítetos de campanha eleitoral. A Ford mantém, por outro lado, seu apoio aos movimentos que se oponham aos regimes inimigos.
A Fundação Ford financia dessa maneira a Organização de Povos e Nações Não Representados (UNPO), que conta entre seus membros com os karen da Birmânia, os índios lakotas e outras etnias, como os twas de Ruanda, os tártaros da Criméia, os abkhazios, os aborígenes da Austrália, os circassianos, os ogonis da Nigéria, os tibetanos, os chechenos, especificamente os partidários do presidente Doudaev (cf. Alain Frilet, “Les peuples en mal d’État ont rendez-vous à La Haye», Libération, 21/01/1995).
A Fundação Ford subvenciona também a National Endowment for Democracy (NED). Em 1997, as duas organizações financiaram juntas a publicação de um manual sobre os direitos da mulher nas sociedades islâmicas intitulado Claiming our rights. A obra foi redigida por um grupo de mulheres muçulmanas reunidas por iniciativa da senhora Mahnaz Afkhani, ex-ministro do xá do Irã, que reside em Washington. Foi traduzido para línguas como o árabe, o bengali, o malaio, o persa, o farsi e usbeque, com vistas a sua difusão em Bangla Desh, Jordânia, Líbano, Malásia e Usbequistão (cf. Michel Faure, “Manuel de droit pour musulmanes”, L’Express, 16/01/1997).
Este último país é uma peça importante no dominó da região do mar Cáspio, onde o petróleo é centro de lutas de influência entre Moscou e Washington. Da mesma maneira, a Ford apoia os independentistas chechenos, assim como a Casa dos Direitos Humanos de Moscou, junto com a Fundação Heinrich Boll (cf. “A Moscou, la maison des droits de l’homme travaille dans le dénuement”, Le Temps, 02/05/1998).
A IMPRENSA
É no setor dos meios de difusão que a estratégia da Ford se faz mais evidente. Depois de haver apoiado massivamente, nos anos 50 e 60, vários periódicos provenientes da esquerda anticomunista, a Fundação Ford financia sobretudo, desde os anos 80, diários alternativos críticos. Se vê claramente aqui a similitude entre a Fundação Ford e o Open Society Institute de George Soros.
Este último concedeu em 1999 uma subvenção de 50.000 dólares para o Nation Institute “apoiar projetos tendentes a melhorar a qualidade e a difusão da Rádio Nation, das informações semanais da rádio pública, dos programas e comentários”. O conselheiro político pessoal de Soros, Hamilton Fish III, é um dirigente de primeiro nível do Nation Institute, que pertence ao mesmo grupo do semanário The Nation.
Também financiou o Citizens for Independent Public Broadcasting Group, o Fund for Investigative Journalism, a publicação American Prospect, o Center for Defense Information, assim como o Public Media Center de San Francisco (cf. Bob Feldman, “George Soros Parallel Anti-War Media/Movement”, QuestionsQuestions, 27/12/2002).
Suas propostas de financiamento para o grupo alternativo Indymedia suscitaram violentos debates nos fóruns desta agência de imprensa cooperativa.
O financiamento que oferece George Soros a estas estruturas não é desinteressado. Seus vínculos com uma parte do establishment norte-americano fazem pensar, ao contrário, que trata-se de infiltrar esses viveiros do pensamento crítico para submetê-los.
A guerra da informação é, com efeito, a chave do controle político nos Estados Unidos. Como escreve Herbert I. Schiller, “o princípio da ‘livre circulação da informação’ - vital para a exportação dos produtos culturais norte-americanos - foi inventado para conferir às exigências dos industriais o estatuto de virtude universal. É preciso recordar que John Foster Dulles, sem dúvida o secretário de Estado mais agressivo dos anos de pós-guerra, via nela o elemento central da política exterior dos Estados Unidos. Inclusive, desde antes do fim das hostilidades, o Pentágono pôs aviões militares à disposição dos editores e das ‘grandes firmas’ da imprensa norte-americana para que fossem predicar entre os dirigentes de onze países aliados e neutros as virtudes de uma imprensa livre - ou seja, em mãos privadas - e do livre intercâmbio em matéria de informação”.
Essa doutrina corresponde à seguinte declaração de William Benton, secretario de Estado em 1946: “A liberdade de imprensa - e do intercâmbio de informação em geral - é parte integrante de nossa política exterior”. Em outros termos, não se trata de favorecer a liberdade de expressão, mas de um sistema de competição dentro da imprensa que permita a um ator externo obter dentro dele uma posição privilegiada.
A Fundação Ford segue a mesma lógica. Uma extensa investigação de Bob Feldman revela que a Fundação financiou a organização de numerosos meios alternativos norte-americanos como FAIR, a publicação Progressive y Pacifica, que difunde Democracy Now, mas também IPA, Mother Jones y Alternet (cf. “‘Alternative’ media paymasters: Carlyle, Alcoa, Xerox, Coca Cola...?” QuestionsQuestions, 01/10/2002).
Entre os responsáveis por The Nation encontra-se Katrina Vanden Heuvel, membro do comitê diretor do Franklin and Eleanor Roosevelt Institute (FERI), como seu pai, William Vanden Heuvel, que o presidiu. Os dois ocuparam seus postos junto a John Brademans, que presidiu o FERI antes de que Bill Clinton o pusesse na cabeça do National Endowment for Democracy (NED), de 1993 a 2001 (cf. Bob Feldman, “The Nation’s NED Connection”, QuestionsQuestions, 19/10/2002).
GLOBALIZAÇÃO E PENSAMENTO ECONÔMICO
A organização do Fórum Social Mundial na Índia, no final de 2003, permitiu medir o alcance das ramificações da Fundação Ford. Segundo um informe redigido pelo pesquisador indiano Rajan X. Desai para a revista Aspects of India’s Economy, a Ford financiou amplamente várias reuniões dos outro-mundistas, especificamente a prevista para Bombaim.
A intervenção era facilitada pelas múltiplas subvenções da Ford a organizações não governamentais indianas, particularmente no setor da agricultura. Segundo Rajani Desai, os projetos financiados permitiram tanto a revolução verde que reforçou a produção agrícola indiana quanto a invasão do mercado indiano pelos investidores estrangeiros. Seja como for, as críticas provenientes da “sociedade civil” indiana contra a Fundação Ford dissuadiram esta última de seguir subvencionando o Fórum Social Mundial.
Apesar de tudo, ao financiar o Fórum Social Mundial a Fundação Ford conseguiu influenciar nos debates intelectuais do movimento outro-mundista. Foi assim que militantes que se opunham às imposições do FMI e do Banco Mundial fizeram campanha a favor de um imposto mundial sobre as transações financeiras que seria cobrado e administrado... pelo FMI. Vimos também militantes esforçando-se para estabelecer uma diferença entre a oposição à ordem econômica e o protesto contra a invasão do Iraque, e outros opondo-se à política exterior agressiva que aplica Washington desde o 11 de setembro, ao mesmo tempo que exigiam que fossem excluídos os movimentos sociais dirigidos por muçulmanos.
Portanto, é importante recordar que se a Fundação Ford financiou o Fórum Social Mundial não foi porque esteja de acordo com suas teses, mas, ao contrário, para neutralizá-las. Há quem lembre ainda que, nos anos 60, na época em que atuava sem complexos, a Ford concedeu uma subvenção de 300.000 dólares ao American Enterprise Institute (AEI), think tank destinado a desacreditar as políticas de redistribuição, dirigido atualmente por Lyne Cheney e Richard Perle (cf. Susan George, “Comment la pensée devint unique”, Le Monde diplomatique, agosto de 1996).
A estratégia da Ford é a do “presente envenenado”. Consiste em intervir nas correlações de força internas entre os que se opõem aos Estados Unidos para alimentar conflitos e rivalidades que os debilitem ou para facilitar o triunfo do menos radical sobre o que mais incomoda.
* Da Rede Voltaire, onde, originalmente, este artigo foi publicado. Por razões de espaço, o texto que apresentamos é uma síntese da íntegra.
(fonte: http://www.horadopovo.com.br/, acessado em 01/07/2009, 11:43)
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