sábado, 6 de novembro de 2010

Exclusiva com o Diretor Nacional de Supervisão da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina, Gustavo Bulla

O argentino Gustavo Bulla, diretor nacional de supervisão da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, trará a Brasília o relato do processo de elaboração e implementação da nova Lei de serviços de comunicação audiovisual naquele país.

O diretor do órgão regulador argentino é também professor universitário e realiza atualmente um trabalho de pesquisa sobre a concentração de propriedade e da participação social nas políticas de comunicação. Em conversa com a Secom, Gustavo Bulla falou sobre o impacto da nova Lei na sociedade e nos grandes grupos de comunicação, e das mudanças que ainda estão por acontecer.

Secom: De que forma a nova Lei do audiovisual garante a pluralidade de meios e conteúdos audiovisuais na Argentina? Quais foram as principais mudanças neste aspecto em relação à Lei anterior?

Gustavo Bulla: A Ley de Servicios de Comunicaión Audiovisual ataca um problema grave que se produziu na década de 90 na Argentina, ocasionada pelas políticas neoliberais. Isso gerou um mapa hiperconcentrado de propriedade dos meios de comunicação em geral e em particular dos meios audiovisuais.
Esta Lei ataca esta concentração e a escassez de vozes múltiples por duas vias: a restrição da multiplicidade de licenças, reduzindo o número de licenças que um grupo empresarial pode ter; e a ampliação do número de atores que podem obter estas licenças. A legislação anterior, que na verdade era um decreto da época do regime militar de 1980, excluía a participação de organizações sociais sem fins lucrativos.
A Lei anterior também permitia ao estado, às províncias e às universidades públicas, obter licenças para operar. Nos anos 80, as novas licenças foram congeladas, e a partir daí, só eram obtidas em regiões onde não houvesse meios de comunicação audiovisual privados. Quer dizer, de maneira bastante coerente com o paradigma neoliberal se privilegiava a mercantilização da comunicação e da informação.
O que a nova Lei faz é restringir a concentração de empresas e licenças, e permitir ao setor público a obtenção de licença para meios de comunicação audiovisuais. A Lei também incorpora neste novo cenário as organizações sociais livres, como sindicatos, associações, e outras organizações, que não perseguem um benefício lucrativo e individual.

Secom: Como o governo chegou ao modelo legislativo enviado ao Congresso em 2009?

A Ley de Servicios de Comunicaión Audiovisual é inédita na legislação Argentina. É o primeiro instrumento legal feito de baixo para cima. O esqueleto da nova Lei foi elaborado em 2004, e partiu de um manifesto que continha 21 pontos para uma radiodifusão democrática. Este documento foi elaborado por uma entidade que representou 300 organizações sociais argentinas, incluindo movimentos de direitos humanos (como o das mães e avós da Praça de Maio), setor acadêmico, todos os sindicatos de trabalhadores dos meios de comunicação, sindicatos de trabalhadores em geral e outros. Em 2008, foi elaborado um pré-projeto que foi discutido em 24 Fóruns de Participação, realizados em todo o país, e que reuniu mais de 10 mil participantes. Destes encontros foram colhidas 1.300 propostas de modificação do pré-projeto, que resultou em duzentas alterações. Uma vez obtida a redação final, a presidente Cristina Kirchner enviou o projeto ao Congreso de la Nación – à câmara dos deputados e senado. Depois de discussão em comissões, a Lei foi aprovada nas duas estâncias. A Lei, que foi imediatamente promulgada, teve uma série de obstáculos, vindos principalmente da oposição, de parte do setor jurídico e dos grandes grupos de comunicação.

Secom: De que forma a convergência dos meios de comunicação foi contemplada na nova Lei?

A Lei tinha um desafio. Além de democratizar os meios de comunicação, deveria também incorporar as novas tecnologias da comunicação e informação. À época, foi cogitada a possibilidade de as companhias telefônicas pudessem distribuir serviços audiovisuais – com um marco bastante restrito. Mas alguns setores argumentaram que isso alteraria o espírito da nova Lei, que era acabar com a concentração de poder dos grandes grupos. Então essa discussão ficou para o futuro.
A Lei regulou o conteúdo audiovisual por todas as plataformas que se pode distribuir, com a condição que se fossem estilo broadcast, com programação pré-fixada e com consumo em tempo real. No caso de acesso via internet, como o video on demand, ou rádio tipo podcast, estariam isentos dessa regulação.
A legislação abre um guarda-chuva bastante amplo para a regulação de novas plataformas, como a rádio e tv digitais e o que possa aparecer daqui por diante.

Secom: Passado um ano, desde que a Lei foi promulgada, quais são as mudanças que podem ser observadas?

Houve grandes obstáculos de tipo judicial. A Lei esteve suspensa em sua aplicação por 8 meses, e só foi regulamentada recentemente. O grupo mais importante, o Clarín conseguiu na justiça uma medida cautelar para não cumprir o artigo 161 da Lei, que trata do enquadramento das empresas. Os grandes grupos devem se desprender de parte dos meios de comunicação que possuem. Justamente uma Lei aprovada por maioria no congresso.

Existe um grande consenso social a favor da Lei, e uma grande oposição do setor empresarial e do poder jurídico, que conseguiram obstaculizá-la.
Acreditamos que dentro de pouco começarão a aparecer os novos atores, justamente aqueles que estão impedidos, pela Lei anterior, de obter licenças.

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