Para regular a Internet, que é tida no imaginário como um território de liberdade absoluta para a expressão, não se pode esquecer as regras que permitem o convívio social nas ruas ou nos meios comunicação mais antigos. “A liberdade de expressão num país democrático é garantida, independentemente do suporte. Só que não existe nenhuma liberdade que seja absoluta, ou seja, que não tenha, como contraponto, limites que permitam a convivência em sociedade”, avalia o presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social de Portugal (ERC) e professor de Direito Internacional, José Alberto de Azeredo Lopes.
No entanto, Azeredo Lopes não acredita que a fiscalização caiba a agências como a que ele preside, a ERC. Para ele, os tribunais é que devem fazer a defesa da cidadania de pessoas agredidas por opiniões injuriosas, evitar expor crianças à pornografia e cenas violentas e também zelar pela privacidade.
Até 2005, Azeredo Lopes acompanhou a execução do Protocolo RTP-SIC-TVI, de 2003, que estabeleceu regras para as emissoras de TV portuguesas. Ele também foi um dos negociadores do documento, representando o ministro da Presidência do Conselho de Ministros do XV Governo Constitucional, Nuno Morais Sarmento. Antes, em 2002, o professor foi membro do Grupo de Trabalho sobre Serviço Público de Televisão.
No dia 9, às 15h10, o professor Azeredo falará sobre a experiência portuguesa de regulação. Um dos pontos mais importantes, segundo ele, é fato de os sítios de informação na internet terem de seguir regras para impedir que o conteúdo jornalístico se misture com entretenimento. Para antecipar os temas a serem tratados no Seminário Internacional das Comunicações Eletrônica e Convergência de Mídias, o jurista conversou com a reportagem.
Secom: Empresas de internet podem prestar serviços e oferecer informação e entretenimento. É necessária alguma regulação especial para a publicação desses formatos?
José Alberto de Azeredo Lopes: Eu penso que deva existir, sempre que for possível, qualquer que seja a plataforma, uma identificação clara daquilo que é conteúdo de jornalismo. Isto é, parece que é um mal sinal se, por ventura, edições eletrônicas de jornais atuem de forma diferente daquilo que acontece no suporte de papel: ou seja, se num jornal na sua versão eletrônica tem um comportamento muito diferente, menos rigososo, do ponto de vista da prestação de serviços ou da vocação jornalística. Acho que é um caminho que pode ser preocupante.
Secom: As regras do mundo real para conter crimes de opinião, ou abuso da pornografia e violência para público infantil, enfim, essas regras podem ser transpostas para a internet?
JAAL: Não creio que seja possível transpor essas regras da mesma forma que verificamos nos suportes mais tradicionais. Em primeiro lugar, por uma razão prática: a dissimulação da identidade de alguém que coloca na internet conteúdos de certa natureza é relativamente fácil; ou a ocultação desta pessoa num espaço fora da jurisdição do Estado. Evidentemente, a proteção dos menores (contra a violência e pornografia) é um valor social que não depende do suporte. Mas não creio que seja simples aplicar na internet conceitos jurídico-criminais, que existem em qualquer tipo de sociedade, como o conceito de difamação e de injúria. É muito difícil a um órgão regulador desempenhar esse papel neste momento. E, portanto, eu considero que essa é uma matéria que cabe, por vocação, aos tribunais e não propriamente a um regulador, que não tem competência de natureza judicial nem em termos de jurisdição criminal.
Secom: A internet surgiu com o ideário de que é um espaço livre para a opinião e negócios. Neste contexto, é possível estabelecer alguma regulação?
JAAL: Esse é um argumento em muitas vezes equivocado. Eu tenho sérias dúvidas quanto a essa ideologia associada à internet. A liberdade de expressão num país democrático, e num estado democrático, é garantida independentemente do suporte. Só que, em qualquer estado de Direito, não há nenhuma liberdade que seja absoluta, ou seja, que não tenha, como contraponto, limites que permitam a convivência em sociedade. Ao insultar, difamar, eu não considero que se pode falar em liberdade de expressão. Infelizmente, eu acho que aqui há uma confusão nítida deste ponto de vista. A Internet é um espaço maravilhoso de debate, na medida em que qualquer pessoa, por meio de um blog, pode ter um espaço público. Essa é a revolução que a internet propicia. Não considero, porém, que, se tratando de internet, exista uma espécie de carta branca.
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