sábado, 6 de novembro de 2010

Regulamentação audiovisual: os caminhos que a Espanha percorreu

Entrevista Exclusiva com o Conselheiro da Comissão de Mercado das Telecomunicações (CMT), Ángel García Castillejo

O Conselheiro da Comissão de Mercado das Telecomunicações (CMT), Ángel García Castillejo, apresentará no Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, a experiência espanhola na construção de um novo marco regulatório do setor audiovisual, a Ley General de la Comunicación Audiovisual. O processo, que incluiu diversas rodadas com todos os setores envolvidos, durou quase seis anos.

A CMT, criada em 1996, é o órgão regulador independente dos mercados nacionais de comunicações eletrônicas e de serviços audiovisuais.

Angel García colaborou na redação de diversas iniciativas legislativas do setor das telecomunicações, jornalismo e audiovisual. Entre elas, se destaca a Lei de Liberalização das Telecomunicações, Lei de Telecomunicações por Cabo e Lei de Regulação da Televisão Local por ondas terrestres. O palestrante publicou várias obras sobre o direito da informação, organismos reguladores do setor audiovisual, televisão educativa, entre outros.

Abaixo, em entrevista para a Secom, Ángel García adianta o que vem falar aos participantes do encontro.

Secom: O que levou a Espanha a criar um novo marco regulatório para o audiovisual?

AGC: Na Espanha havia uma situação de grande dispersão normativa, o que proporcionava uma grande insegurança legislativa no setor do audiovisual. Desde a aprovação da Constituição Democrática Espanhola, em 1978, foi aprovada posteriormente, em 1980, uma única lei, que ficou vigente até maio de 2010, o Estatuto de la Rádio y de la Televisión.

Com o tempo, foram aprovadas várias leis para regular o setor audiovisual de acordo com as necessidades que iam aparecendo, como a titularidade - pública ou privada; área de cobertura -todo o Estado Espanhol ou nas comunidades autônomas, no âmbito local ou municipal; em função dos meios, das infraestruturas - cabo, o satélite, e as ondas hertzianas; ou pela tecnologia - analógica ou digital.

Isto terminou provocando uma tal situação de dispersão e insegurança que todo o setor e todos os partidos políticos foram unânimes em decidir que era necessário e urgente aprovar uma lei geral que fosse o marco e a legislação básica para a regulamentação do audiovisual na Espanha.

Secom: O que ocorreu então foi a substituição de uma lei antiga, repleta de “penduricalhos”, por uma lei global, que integra o setor audiovisual com as transformações do mercado e as demandas sociais?

AGC: Foi assim. E não foi só isso. Em 2004, quando o Partido Socialista (PSOE) ganhou as eleições e assumiu novamente o governo, deparou-se com uma situação que ia além da dispersão jurídica. Havia outros dois graves problemas.

O primeiro era a situação financeira e a falta de credibilidade da televisão pública, que passava por uma forte crise. Isso provocou a abertura de um expediente sancionador pelas autoridades da União Européia. Na época, havia diferenças a respeito do sistema de financiamento da rádio e da televisão públicas espanhola.

O segundo tema, de grande gravidade para o setor televisivo na Espanha, foi a situação de paralisia em que se encontrava o processo de transição da TV analógica para a TV digital. O apagão analógico estava em risco. No governo anterior, o final da transmissão em sinal analógico foi pensado como força motriz para alavancar a plataforma do sistema de pago multicanal digital, que acabou quebrando em 2002. A Televisão Digital Terrestre (TDT) espanhola estava paralisada e sem conteúdos. O governo do presidente José Luis Zapatero aprovou, em dezembro de 2004, um plano para dar impulso ao setor audiovisual. Nesse plano, estavam previstas uma lei de audiovisual - que criaria uma autoridade audiovisual independente -, a reforma da radio e televisão públicas, e o impulso da TDT que, como vocês sabem, desde março passado culminou o processo de transição, do analógico para o digital, com êxito.

Secom: Como foi a negociação com os atores envolvidos? Houve conversa com os setores antes do acordo de dezembro de 2004?

AGC: O processo de negociação se deu com todos os atores implicados no setor audiovisual, desde empresários de televisão e rádio, passando pelos produtores de conteúdo, produtores audiovisuais para cinema e televisão, indústria de eletrônicos de consumo e também o setor da distribuição comercial e usuários.

Foi estabelecido um processo de diálogo de abril a dezembro de 2004. Uma vez alcançado este acordo global, foram implementadas uma série de medidas de caráter legislativo e regulamentar. Elas foram tomando corpo até dar origem à atual Lei Geral do Audiovisual. Durante todo esse processo, a relação e o diálogo com os setores se mantiveram. A vontade do governo em todo momento foi implicar substancialmente todos os setores envolvidos, tanto privados como públicos. E graças a essa implicação e à identidade deles reconhecida no processo, estes setores se converteram em aliados. A prova disso, é que todos os operadores, tanto públicos como privados, colocaram conteúdos diferenciados e originais - em relação aos conteúdos produzidos para transmissão em analógico - oferecendo uma ampla quantidade de conteúdo para a TDT, com o processo culminando com êxito e bem recebido pelos cidadãos espanhóis.

Secom: Quais são principais eixos deste novo marco regulatório?

AGC: Os eixos principais são dotar a Espanha de um marco jurídico homogêneo para o conjunto do setor audiovisual; incluir a normativa Comunitária da União Européia para conteúdo dentro da lei geral; introduzir um pilar básico, que é a “liberalização” do setor televisivo espanhol. Com isso, o regime privado deixa de ter concessão administrativa e passa a ter uma licença para operar. Outro eixo importante é regular de forma específica a prestação do serviço público de rádio e televisão por parte das empresas públicas – seja a Rádio e Televisão Espanhola para a Espanha, sejam as emissoras autonômicas e municipais.

Secom: Em que consiste a normativa da U.E. e como ela é incorporada pelos estados membros?

AGC: A normativa traz denominadores comuns que cada Estado da União deve incorporar aos seus ordenamentos jurídicos internos. Esta normativa, que está vigente, regula tanto a publicidade, o volume de comunicação comercial na tv, como a proteção da infância e da juventude e o impulso e apoio à produção audiovisual nacional e européia.

Secom: Como o mercado espanhol recebeu a integração da Normativa Européia à Lei do Audiovisual?

AGC: Esta diretiva européia deu um salto qualitativo, porque antes regulava o conteúdo audiovisual restrito à televisão. Antes, a normativa era chamada de Televisão Sem Fronteiras, e agora se chama Conteúdos Audiovisuais sem Fronteiras. Não regula só TV ou produtos lineais, mas também os que são veiculados pelos novos meios, como internet.

Os operadores privados, que participaram no processo de elaboração da diretiva, tanto no âmbito da U.E. como na incorporação da mesma à legislação espanhola, queriam um marco jurídico claro, para conhecer as regras do jogo. Além disso, era importante para eles que fosse delimitado claramente o papel da TV pública e sua participação na publicidade.

Secom: É correto afirmar que hoje, depois desse longo processo de construção junto aos setores envolvidos, a Espanha possui um dos marcos regulatórios mais atualizados?

AGC: Provavelmente um dos mais atualizados do mundo, e como marco jurídico de audiovisual o mais atual da União Européia.

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